O Brasil funciona à base de alguns conceitos. Um deles é o “não é possível”, logo sacado em uma conversa para afirmar que algo não pode ou não deve acontecer. O fenômeno, juntamente com o uso da expressão “com certeza”, faz parte do cotidiano nacional. O “não é possível” indica que aquilo que alguém está aventando como hipótese não acontecerá. Ou não poderá acontecer. Indica a certeza de uma impossibilidade. Mas, sobretudo, um desejo de que a impossibilidade se realize.
Na política, o “não é possível” tem uso corrente, principalmente em eleições. Candidatos dizem que “não é possível” que não sejam eleitos e usam os argumentos possíveis para justificar a hipótese como certeza. Lembro que muitos afirmaram que “não é possível” que Dilma seja a candidata à sucessão de Lula em 2010. Seu histórico de inabilidade política não recomendava tal escolha.
Na campanha, um amigo e observador da política me dizia que “não é possível” que Dilma ganhe de José Serra, um homem experiente, preparado e com larga folha de serviços para o país. Respondi que não era um concurso de melhor currículo. Era simplesmente o fato de que o cabo eleitoral de Dilma era, naquele momento, imbatível.
Adiante, em 2018, muitos diziam “não é possível” que Jair Bolsonaro, sem partido, sem tempo de TV, sem dinheiro e sem base política, ganhe a eleição. Muitos apontavam suas contradições, seu passado irrelevante na política e sua inexperiência nos grandes debates como motivos para a impossibilidade de sua vitória.
Toda regra tem exceção. Algumas vezes o “não é possível” termina não sendo possível mesmo. Agora, há um sentimento de que uma união entre partidos de centro em torno de um nome não deve ser possível. Entre candidaturas cenográficas, objetivos ocultos e desempenhos pífios, essas siglas tendem a tentar consolidar seus domínios para ampliar suas bancadas. Mas vai que, de repente, acontece algo?
“Poucos meses atrás, muitos davam como favas contadas a eleição de Lula e a derrota de Bolsonaro”
Neste ano, a tese da impossibilidade atingiu Bolsonaro mais uma vez. Poucos meses atrás, muitos davam como favas contadas a eleição de Lula e a derrota de Bolsonaro, que sucumbiria ao peso da própria rejeição. A tese do “não é possível” misturava desejo, análise e uso da tese da “profecia autorrealizável”. No mercado financeiro, alguns acreditam que, de tanto falarem que determinada ação vai subir ou cair, a profecia se cumpre, mesmo sem motivo que justifique o movimento. Assim, afirmando que Bolsonaro não resistiria ao peso da pandemia, jogavam a sorte de seu palpite na conta da profecia. Vai que cola?
Mas a realidade é diferente. E o futuro, imprevisível. O que vemos é Bolsonaro subindo nas pesquisas e Lula liderando, mas, aparentemente, no teto das intenções de voto no primeiro turno. A subida de Bolsonaro teve a ajuda da desistência de Sergio Moro, as confusões da terceira via e os tropeços de Lula.
Quase ninguém, porém, observa que a aliança PL-PP-Republicanos cria sólidos palanques nos estados e que o “não é possível” está sendo contraditado. Muitos consideravam João Doria, governador do todo-poderoso estado de São Paulo, um supercandidato presidencial. Até agora, ele não se revelou como tal.
Fato é que em um país onde o passado é imprevisível, os veredictos de impossibilidade são altamente questionáveis. Afinal, em política, tudo é possível. Até mesmo acontecer o que muitos esperam.
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788