Com a intensificação de sua guerra institucional contra o poder Judiciário, o governo Bolsonaro pode ter entrado no modo “autodestruição”. Pesquisas já indicam um relevante abandono da intenção de voto no presidente em 2022 por parte dos que não são bolsonaristas “raiz”.
E isso se confirma a partir de dois fenômenos crescentes: relativizar a era Lula (PT) e seus escândalos; e considerar que o presidente Jair Bolsonaro é um risco à economia e às instituições por causa de sua imprevisibilidade, seu temperamento e a vocação para criar confusão. Na prática, ele ainda pode reverter as tendências e caminhar para uma reeleição cujo cenário, até um passado recente, era o predominante.
Os indícios, contudo, não apontam nessa direção. Quando seus aliados pedem que ele se acalme, ele dobra a aposta. Quando a aposta dobrada causa consternação, ele prossegue dobrando a meta. No seu entorno já há quem avalie que se trata de caso perdido e que cada um deve começar a pensar em si mesmo.
Olhando a cena institucional, dois protagonistas têm planos para 2023 que seriam facilitados com a reeleição de Bolsonaro. Mas que não dependem disso. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, que trabalha para se manter no cargo em 2023 e que, com a sua incontestável liderança, será, caso reeleito deputado, o amplo favorito. E Ciro Nogueira (PP-PI), que tem a chance de presidir o Senado pela capacidade de articulação e pelo poder que detém a partir da Casa Civil, poderá construir uma base eleitoral para si.
“O presidente terá de marchar na direção da racionalidade, sob pena de naufragar antes de chegar à praia da reeleição”
Outro nome que tenta conter Bolsonaro dentro dos limites do razoável é o ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD), cujas opções são promissoras: reeleger-se facilmente para a Câmara; disputar o Senado; ou, até mesmo, assumir o posto de vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro em 2022.
De certa forma, o coração político do governo Bolsonaro não depende do presidente para sobreviver. Já o presidente depende fortemente desse coração político para sobreviver politicamente e ser reeleito. Nos próximos nove meses, ele terá de marchar na direção da racionalidade, sob pena de naufragar antes de chegar à praia da reeleição.
Para os bolsonaristas, os sinais são preocupantes. O governo não consegue faturar o que faz de bom e se mete em trapalhadas e conflitos desnecessários. As vantagens nas redes sociais, que fizeram a diferença nas eleições de 2018, já não são rocket science. A esquerda tem em Lula um candidato forte. E o centro tenta se articular.
O fato novo das últimas semanas é que a terceira via está ganhando força nas pesquisas. Principalmente nas pesquisas qualitativas, que revelam cansaço da população com a polarização bolsonaristas versus lulistas e a produção inconsequente de conflitos.
Na prática, os próximos nove meses trarão respostas que definirão as eleições presidenciais de 2022. Entre elas, constam o alcance da vacinação contra a Covid-19 e combate ao risco da variante delta; a intensidade do crescimento econômico; a viabilidade de um novo Bolsa Família; os efeitos políticos da crise hídrica; os desdobramentos das investigações de Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral; a força do movimento pró-impeachment; e a viabilidade da terceira via presidencial.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2021, edição nº 2751