Em que pese o tiroteio político, o ciclo de reformas iniciado em 2016 prossegue. A aprovação, na Câmara dos Deputados, da nova lei de falências e do novo marco do gás revela a motivação para continuar transformando o país. Assim como a aprovação definitiva da nova lei do saneamento.
Agora, em um movimento ousado, o Congresso sugere avançar em duas reformas críticas para o país: a tributária e a administrativa. O que pode acontecer? Existem possibilidades de que ambas prossigam de forma consistente ainda neste ano? O certo é que as duas propostas despertam imensas resistências.
A reforma tributária tem na compensação aos estados — que perderiam com o novo imposto de valor agregado (IVA) nacional — um fator de grande discussão. Governadores querem contrapartidas que a equipe econômica não deseja dar. A tributação de serviços é outro tema em disputa. Mais um ponto de polêmica é a criação da contribuição sobre bens e serviços (CBS) a partir da unificação de PIS e Cofins.
Porém, com a retirada da urgência do projeto que cria a CBS, a tendência é que a proposta fique em segundo plano e a unificação dos tributos sobre o consumo seja tratada no contexto das emendas constitucionais, a reforma tributária ampla, que está sendo discutida em uma comissão mista (deputados e senadores) que deverá produzir um texto nas próximas semanas.
“A aprovação das propostas neste ano nas duas Casas do Congresso é praticamente impossível”
Com relação à reforma administrativa, que começa a tramitar na Câmara, haverá um longo caminho a trilhar. Rodrigo Maia, presidente da Casa, disse ser muito difícil que a reforma administrativa passe na frente da tributária. Com muita dificuldade, poderá ser votada, ainda em 2020, na Câmara dos Deputados.
A aprovação definitiva das duas reformas neste ano, no Congresso, é praticamente impossível. Além do debate complexo das duas propostas, existem disputas orçamentárias importantes, que vão predominar no semestre. Outras questões de repercussão fiscal serão definidas em votações de vetos presidenciais e pleiteadas na elaboração do Orçamento, que será votado no fim do ano. O Legislativo vai se movimentar para aumentar o volume de recursos que deverá ser executado de maneira impositiva. O Executivo, como se espera, vai resistir. Será uma grande briga política que vai testar a fidelidade e a consistência da base governista.
Outro ponto de dúvida está na posição dúbia do governo em relação à reforma tributária. O Executivo parece sinalizar que prefere o debate para o ano que vem. Pretende definir o novo pacote de auxílio social a vulneráveis antes de se engajar seriamente nas reformas. E, por fim, ainda temos o processo eleitoral municipal, que impacta o debate e acirra a agenda municipalista. Agora, os partidos políticos estão mais empenhados na disputa visando a aumentar seus cacifes para a eleição presidencial do que em se desgastar arbitrando conflitos de interesses.
Lamentavelmente, o engajamento do setor privado no atual estágio do ciclo de reformas não é dos mais relevantes. Com razão, os empresários estão mais preocupados em manter a desoneração da folha de pagamento do que em apoiar uma reforma tributária que ainda não tem uma forma clara.
Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704