A presença de Lula em uma disputa presidencial pela sexta vez pode nos dar a sensação de estarmos vivenciando algo já vivenciado. Essa sensação baseia-se em duas perspectivas antagônicas. Enquanto uns acreditam que ele vai adequar as suas narrativas para conquistar o centro e acalmar o mercado, na linha do que fez ao lançar a “Carta aos Brasileiros”, em 2002, outros apostam que vai radicalizar o discurso esquerdista, como fez contra Fernando Collor, em 1989.
Foi a versão light de Lula que lhe permitiu vencer em 2002, se reeleger e eleger Dilma Rousseff duas vezes. Mas os seus aliados mais programáticos agora tentam forçar outra direção, trazendo para a pauta temas como privatização, reforma trabalhista e elogios ao títere da Nicarágua, Daniel Ortega.
Lula, contudo, não será nem um nem outro. Não será nem o “Lulinha Paz e Amor”, que buscava a conciliação em 2002, nem tampouco o radical dos anos 1980. Simplesmente porque as eleições presidenciais deste ano não serão iguais a nenhuma outra.
O cenário está bem diferente do de 2018, quando questões da Lava-Jato demoliram o mundo político e abriram espaço para um outsider ganhar a disputa. O Brasil deste ano terá na pandemia de Covid-19 — que insiste em permanecer na cena — e em suas sequelas econômicas os temas preferenciais.
Além da existência dessa nova temática nas eleições, há questões de fundo que afetam a própria campanha de Lula. As campanhas anteriores do PT tinham na engrenagem sindical um poderoso apoio. Azeitados pela contribuição sindical obrigatória, os sindicatos funcionavam como verdadeiras máquinas eleitorais. Assim, as esquerdas lideradas por Lula tiveram, por um bom tempo, o monopólio das ruas. Não é mais o caso.
“Lula terá de se reinventar, mais uma vez, para ganhar uma eleição que, agora, parece fácil para ele”
Outro ponto central refere-se às doações empresariais. A cada campanha, Lula angariava mais apoio de empresários. Boa parte do establishment acreditava que sua eleição seria inevitável e, temerosa de perder acesso e espaço, doava recursos ao PT. Atualmente, o principal doador é o partido político.
As legendas usam os recursos tanto para a disputa presidencial quanto — mais importante — para as eleições de deputados federais. Como se sabe, o tamanho da bancada no Congresso é que determina as verbas partidária e eleitoral. Ainda que o PT tenha um fundo eleitoral de mais de 500 milhões de reais, apostar fortemente na eleição presidencial é temerário, além de existirem limites de gastos.
Fato é que o ex-presidente terá de se adaptar a um sistema político bem diferente daquele em vigor em 1° de janeiro de 2011, quando ele deixou o Palácio do Planalto. Seja pelas sequelas da Lava-Jato, seja pela judicialização da política, as novas circunstâncias contribuem para que, embora ostente hoje uma intenção de voto maior que a soma de todos os seus adversários, Lula tenha de enfrentar uma rejeição significativa, tornando improvável uma vitória sua no primeiro turno.
De 1989 a 2018, período em que oito eleições presidenciais foram realizadas, apenas em 1994 e 1998 a disputa foi resolvida no primeiro turno — em ambas, FHC venceu Lula. Assim, apesar do seu atual favoritismo, Lula terá de se reinventar, mais uma vez, para ganhar uma eleição que, agora, parece fácil para ele.
Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773