O custo político da governabilidade está aumentando de forma exponencial. Basicamente por três fatores. O primeiro deles foi o discurso do presidente eleito sobre o mercado. O segundo é a indefinição do formato da equipe econômica. O terceiro é a alegoria em que está se transformando a transição, com mais de 300 pessoas e diversos grupos de trabalho. A percepção que decorre do momento é a de imprevisibilidade e ausência de um rumo claro mais além das palavras de ordem.
Obviamente, em dois ou três movimentos, o presidente eleito pode dissipar as dúvidas e causar, até mesmo, euforia entre investidores e empresários. Enfim, pode derrotar as expectativas de juros altos que estão sendo projetados para o futuro, provocar uma revalorização das empresas na bolsa e, ainda, destravar investimentos que estão em compasso de espera. Porém, enquanto as nuvens não são dissipadas, as consequências da elevação do custo político da transição são óbvias. A primeira delas foi o banho de sangue na bolsa de valores, aumento das taxas de juros futuros e volatilidade do câmbio ao longo do mês de novembro.
“Sem ter iniciado, a nova gestão encara uma situação mais desafiadora que a de Bolsonaro no começo de 2019”
A segunda consequência são os movimentos dos líderes do Congresso Nacional em relação ao futuro governo. Nem chegamos a dezembro, Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, já tinha assegurado apoios para buscar a eleição para um novo mandato ao largo de entendimentos com o novo governo. O acordo, em princípio, excluiu o PT das principais comissões e das relatorias do Orçamento. O que significa, como disse um parlamentar influente, que “o presidente da República terá a maioria para aprovar o que o Centrão quiser”. Enquanto o novo governo ainda não decidiu o time, o Legislativo já está em campo estabelecendo as regras do jogo.
A terceira consequência é o perrengue instalado para avançar na chamada PEC da Transição. Pelo menos três propostas para a emenda da transição estão na mesa de negociação. Mas o caminho para a sua aprovação ainda não está delimitado. Além do mais, a possibilidade de o Congresso dar liberdade orçamentária ao novo presidente por quatro anos parece mais do que remota.
Sem ter iniciado, a nova gestão encara uma situação ainda mais desafiadora que a de Jair Bolsonaro no começo de 2019. O Congresso está mais forte, mais articulado e autogerador de maiorias. O novo governo, por sua vez, mantém indefinições críticas na agricultura, na infraestrutura e, sobretudo, na economia, e politicamente ainda não se estruturou. A ponto de poder ficar de fora de comissões técnicas importantes na Câmara dos Deputados.
Como tudo em política não é eterno, até a data da eleição, em fevereiro do ano que vem, muita água vai passar por baixo das pontes de Brasília. O que é certo pode ficar incerto e o que é duvidoso pode se transformar em certeza. O estadista alemão Bismarck disse que a política é a arte do possível por não conhecer o Brasil. Aqui a política é a arte do impossível. Tudo pode acontecer. Mas, até agora, o novo governo está operando em modo analógico, mostrando imagens borradas de suas intenções, e o Congresso, pelo seu lado, opera em modo digital.
Publicado em VEJA de 30 de novembro de 2022, edição nº 2817