Uma característica marcante do processo eleitoral este ano é a postura vitimista de ambos os ponteiros da disputa pela Presidência. O vitimismo se caracteriza pela exacerbação do sentimento de ser perseguido de forma sistemática. Jair Bolsonaro aponta o dedo para o sistema eleitoral e já o desqualifica, insinuando possíveis reações negativas ao resultado das urnas. Lula quer a regulação da mídia e das redes sociais, numa espécie de revanche ao que sofreu. Lançando mão do vitimismo como narrativa eleitoral, os dois candidatos abrem um perigoso caminho que tem potencial para fazer aflorar o pior dos sentimentos: a vingança.
A vingança tem permeado a política brasileira desde o governo Dilma Rousseff (PT), que desestabilizou a convivência política no país. A reação dos aliados da então presidente foi desqualificar as instituições, como se Dilma fosse vítima de uma conspiração generalizada. Bolsonaro foi eleito na trilha da contrarreação, impulsionado pela bandeira da anticorrupção erguida pela Lava-Jato. Assim, o governo de Bolsonaro iniciou-se com um modelo que buscava condenar o sistema. Mas o modelo não se sustentou e o governo terminou capturado pelas forças tradicionais do mundo político. Enquanto atacava o meio político tradicional, Bolsonaro batia na imprensa e no ideário “politicamente correto”, além de enquadrar os mecanismos da cultura e da educação ao seu modelo. Esqueceu-se de que vingança é um prato que se come frio.
“Os dois candidatos abrem um perigoso caminho que tem potencial para fazer aflorar o pior dos sentimentos”
Os erros de Bolsonaro — que o levaram a perder parte de seu eleitorado, tornando difícil uma reeleição que poderia ser, para ele, um passeio — revelam que a vingança e a narrativa agressiva dependem de certas circunstâncias para prevalecer. Circunstâncias que hoje favorecem a narrativa de vitimização empunhada por Lula, aliada à tentativa do ex-presidente de se mostrar aos eleitores como um dom Sebastião ressuscitado. Porém, ao invés de nadar de braçada no mar da tolerância e inclusão, Lula apresentou, até agora, um discurso sectário e não abrangente, oposto àquele adotado em 2002, quando chegou ao Palácio do Planalto. A opção por um discurso não inclusivo estimula o “nós contra eles” no exercício do poder, o que acaba levando a retaliações de segundo e terceiro escalões e a patrulhamentos ideológicos. O discurso polarizado estimula violências como o assassinato de militante do PT em Foz do Iguaçu.
Para um país que pretende amadurecer politicamente, o vitimismo e a vingança não são convenientes. Revelam atraso e omissão. Atraso por parte do meio político e omissão por parte das elites informadas, que deveriam denunciar o que acontece, e não ficar esperando para ver quem, no final, vai ganhar a disputa. Vitimismo e vingança são sinais extremos de uma polarização que nos afasta das soluções para enfrentar desafios como o da desigualdade, do racismo, do patrimonialismo e do corporativismo, entre outros. A opinião pública deve ficar atenta ao debate eleitoral para que sentimentos de alta negatividade não predominem nas decisões. Como disse a historiadora Stella Ghervas, a paz é para os fortes, a guerra é para os fracos. Sentimentos negativos são típicos dos fracos. Não devemos nos deixar levar por eles.
Publicado em VEJA de 20 de julho de 2022, edição nº 2798