Em discurso proferido em outubro do ano passado, o presidente Lula prometeu uma gestão “além do PT”. Apesar da evidente tentativa de ser inclusivo em termos de forças políticas, o governo não está conseguindo ser nem “petista” nem, muito menos, “além” do partido. Ainda está em formação. Estamos no terceiro mês e, de fato, o governo ainda não começou. Algumas iniciativas, como o novo Bolsa Família e o Desenrola, programa de redução de dívidas, apareceram, mas não existe até agora um governo sólido, além das narrativas. Quais as razões? Aponto algumas.
A primeira delas se refere à montagem de uma estrutura com 37 ministérios. Já seria complicado se existissem, previamente, tais posições. Agora, imagine ter de partir e repartir os ministérios do governo anterior e fazê-los funcionar. Muitos comandados por figuras sem muita experiência. A segunda razão reside no fato de aliados quererem ministérios de “porteira fechada” e resistirem ao controle tecnocrático do PT. Em duas áreas o conflito está evidente: no Ministério de Minas e Energia, com a disputa por cargos no conselho da Petrobras, e no desmembramento do Ministério da Agricultura.
“O governo não está conseguindo ser nem “petista” nem, muito menos, ‘além’ do partido”
A terceira razão decorre da constatação — já comentada por mim — de que o jogo do poder no Brasil mudou. Não há mais um predomínio inconteste do Executivo. Temos um poder compartilhado que demanda um novo software, e isso parece não estar funcionando. Tanto que algumas agendas do governo — como a cobrança de imposto de exportação de petróleo e a volta do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), entre outras pautas — não estão encontrando apoio no Congresso. Recentemente, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, disse, em alto e bom som, que o governo não tem maioria simples para aprovar suas propostas.
Nesse sentido, vale lembrar que Lula orientou seus ministros sobre a prevalência do Congresso. No início de janeiro, ele disse que o governo depende do Parlamento para dar certo e que cada ministro deve ter a grandeza de atender bem os deputados e senadores. As votações futuras vão indicar se isso está ocorrendo. Quais as consequências do que aponto? A mais relevante delas é que viveremos tempos de disputas políticas crescentes dentro do Poder Executivo e entre o governo e o Congresso.
Enquanto o governo não estiver claramente formatado, a disputa prosseguirá correndo solta pela Esplanada. A segunda consequência é que, enquanto o governo não funcionar de verdade, as narrativas ocuparão os espaços midiáticos. Nesse quesito, Lula vem levando vantagem. Sua avaliação positiva é elevada, próxima dos 50%, o que representa uma espécie de colchão para os tempos difíceis que podem surgir na economia. A fórmula, porém, não pode ser levada muito longe. O governo precisa se organizar, definir prioridades, consolidar sua base de apoio, ser mais inclusivo com os aliados “não petistas” e emitir sinais de previsibilidade para os agentes econômicos. Nas próximas semanas, o Congresso estará discutindo temas de imensa relevância. A consistência da base parlamentar será testada de verdade, assim como a dimensão do atual ministério e sua capacidade de ação política.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832