Uma eleição e muitas dúvidas
O risco de ruptura é mínimo, já o de algum tumulto pode ser maior
Chegamos à reta final da campanha para o primeiro turno das eleições presidenciais. Nunca antes neste país, para repetir o bordão de um dos candidatos, tantas dúvidas pairaram sobre o processo eleitoral. São tantas que, para enfrentá-las, seria necessário um espaço muito maior do que o desta coluna. Mas, com o desafio posto, vou tentar fazer um painel das dúvidas que assolam o processo. Responder a elas já é outro desafio que me reservo para ocasiões futuras.
A mais famosa é a dúvida que envolve a integridade das urnas eletrônicas. Introduzidas no país em 1996, nunca foram tão questionadas quanto à sua segurança, exceto, eventualmente, aqui e ali. Por outro lado, até hoje não houve prova de que foram fraudadas, seja porque são “infraudáveis”, seja porque a fraude foi muito bem feita. Mas, de modo claro e assertivo, nunca houve polêmica tão intensa sobre o assunto. Aliás, não há debate do qual participe em que não haja pergunta sobre isso.
O desfile de dúvidas prossegue gerando receio de tumultos e até mesmo de tentativa de golpe de Estado, caso ocorra algum resultado eleitoral, digamos, controverso. Há muitos anos não se duvidava da solidez da nossa democracia. Hoje, por causa de narrativas tresloucadas, o tema entrou no cardápio das incertezas. Em política tudo pode acontecer, até algo inesperado, mas, considerando-se as condições econômicas e sociais atuais, o risco de ruptura é mínimo. Já o risco de haver algum tumulto pode ser maior.
“Os estúpidos, como disse Bertrand Russel, estão cheios de certezas. O momento exige cautela e reflexão”
As dúvidas prosseguem. Poderá haver uma sabotagem ao longo do processo eleitoral, por exemplo, provocando-se um apagão no sistema e ampliando-se as dúvidas sobre a integridade das urnas? É um tema que preocupa pelo fato de existirem, em todos os quadrantes ideológicos do país, doidos o suficiente para promover atos reprováveis. Cabe às autoridades eleitorais estarem preparadas para alguma crise. O sistema de contagem de votos, além de íntegro, deve ter redundâncias. E a hipótese de o sistema sair do ar deve ser completamente afastada ou, pelo menos, amplamente minimizada.
Outra dúvida recorrente refere-se ao nível de precisão das pesquisas eleitorais. A existência de um grande número de pesquisas disponíveis, em vez de dar credibilidade à prática, deflagrou uma desconfiança generalizada. As pesquisas são questionadas tanto no que se refere à credibilidade de quem as conduz quanto no que tange à metodologia adotada e à forma de tratar os dados referentes, por exemplo, classe social, renda, religião.
As dúvidas em torno das pesquisas de intenção de voto geram afirmações “duvidosas” de que o candidato A, ou o candidato B, pode vencer já no primeiro turno. Ou afirmações de que a mobilização nas ruas em favor do presidente Jair Bolsonaro (PL) prova que o ex-presidente Lula (PT) não lidera tais pesquisas. E que tudo seria fruto da imprecisão desse tipo de levantamento ou de uma conspiração nos moldes do que ocorreu no estado do Rio de Janeiro em 1982, no escândalo Proconsult. Os antigos vão se lembrar do caso.
Não há problemas em se ter muitas dúvidas sobre o processo eleitoral brasileiro. Afinal, faz parte da natureza humana duvidar das coisas. O problema é quando, em meio a tantas incertezas, os estúpidos, como disse Bertrand Russell, estão cheios de certezas. O momento exige cautela, sobriedade e reflexão.
Publicado em VEJA de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808