“A alavancagem era grande”, diz Anbima
A associação que representa o setor avalia o caso da TT Investimentos, que foi à bancarrota e surpreendeu o mercado financeiro
Há três semanas, a TT Investimentos, criada por dois sobrinhos do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, foi à bancarrota depois de perder cerca de R$ 500 milhões em uma operação com ações da Clarus, empresa de tecnologia listada na Nasdaq. Como revelado por esta coluna, sócios e clientes perderam tudo o que tinham investido na gestora carioca. Fui atrás da avaliação da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que representa instituições como bancos, gestoras, corretoras, distribuidoras e administradoras, e é responsável por definir uma série de boas práticas para o setor. “No caso da gestora em questão, a Anbima observou que a alavancagem era grande, mas ela estava de acordo com a estratégia do fundo da qual os cotistas tinham conhecimento nos materiais do produto”, responde Zeca Doherty, superintendente-geral da Anbima.
Com passagens por diferentes instituições financeiras no Brasil e no exterior, como CVM, Bovespa, Deutsche Bank, BankBoston e Brown Brothers Harriman, Doherty está na Anbima desde 2006. Ocupa o cargo de superintendente-geral da entidade há mais de uma década. “A estratégia de cada fundo é de responsabilidade de suas respectivas gestoras”, diz Doherty. “ Não havia o porquê de a Anbima entrar em contato com os sócios da gestora, uma vez que, o que ocorreu, faz parte do negócio e era um risco informado aos cotistas.” Leia a seguir o que ele me disse:
A Anbima relaciona mais de 850 instituições financeiras e assets abertas no Brasil, com um patrimônio líquido de quase R$ 7 trilhões. O número inclui nomes ligados a grandes bancos tradicionais e digitais e também de gestoras independentes de investimento. Não é um número exagerado para um País em crise econômica, com inflação e juros altos?
Não. Trata-se de um reflexo natural do desenvolvimento da economia brasileira nos últimos anos, que foi impulsionado pela própria regulação nos anos 2000, com o modelo de arquitetura aberta que possibilitou maior sofisticação e especialização da indústria. Em 2006, por exemplo, eram 217 e, hoje, mais de 850 casas desempenham a atividade. Essa evolução é benéfica por trazer novos players, modelos de negócios e estimular a concorrência, antes concentrada entre os grandes bancos. Um aspecto interessante é que, desse total de gestoras, 58% são voltadas ao segmento de varejo. As demais se destinam a investidores qualificados (com mais de R$ 1 milhão aplicados) e investidores profissionais (aqueles que têm mais de R$ 10 milhões investidos), como é o caso da gestora em questão.
A instituição consegue “fiscalizar” todas as instituições financeiras registradas? De que forma? Como funciona?
Sim. Temos uma equipe dedicada e capacitada para monitorar constantemente as instituições e seus produtos. É um trabalho ininterrupto. Há várias estratégias de fiscalização, que vão desde a supervisão baseada em risco até filtros de verificação de enquadramento de carteiras dos fundos. Temos ainda um canal de denúncias para pessoas jurídicas.
Um economista renomado me disse que “não há tanto rigor” para se abrir uma gestora ou asset no Brasil; e fez uma analogia com a abertura de um restaurante. O sr. concorda? Por quê?
Não. Para uma empresa ser aceita na Anbima ou mesmo na CVM, há um processo criterioso de análise. No caso do nosso Código de Administração de Recursos de Terceiros, que reúne as boas práticas para as assets, essa checagem inclui desde a análise das principais políticas da gestora em potenciais conflitos de interesse até a estrutura física e organizacional das empresas. No processo também é verificada a qualificação da equipe à luz das certificações e experiência profissional. O próprio mercado também contribui com esse processo: para entrar na Anbima, a empresa pleiteante precisa entregar três cartas de recomendação assinadas por instituições que já estejam na associação. Toda a documentação é analisada pela equipe interna e submetida à decisão final do nosso Conselho de Ética. Essa dinâmica de exigências e avaliações de novos entrantes é aprimorada sempre que necessária, acompanhando a evolução das estruturas e dos novos modelos de negócio.
No mercado financeiro, o número de assets e gestoras é visto como importante para assegurar uma a descentralizando do setor, caso contrário, ficaria nas mãos de grandes bancos. O sr. concorda?
Sim. No passado, a atividade de gestão estava mais concentrada nos grandes bancos e, hoje, com a entrada desses novos players, temos maior competitividade no setor, o que é benéfico para o ambiente de negócios e para os investidores.
Há alguns dias – como a coluna adiantou e os principais veículos de comunicação também publicaram -, uma gestora foi à bancarrota perdendo milhões de reais dos cotistas. Como a Anbima se posiciona nesses casos? Houve falha da Anbima de alguma forma? Poderia ter evitado?
A estratégia de cada fundo é de responsabilidade de suas respectivas gestoras. Cabe à Anbima verificar se as características do produto estão explicitadas nos materiais oficiais. Entendemos que toda estratégia é legítima desde que esteja dentro da classe designada pelo fundo e descrita na política de investimento, dando a devida transparência aos investidores. No caso da gestora em questão, isso tudo foi observado. A empresa tinha um risco conhecido, comum a fundos que preveem alavancagem. Isso tudo estava explicitado em sua documentação pública.
Como evitar novos casos como esse? A Anbima se posicionou de alguma forma para os sócios da gestora?
A orientação da Anbima é sempre que os investidores estudem, se informem e leiam a documentação antes de aplicar em qualquer produto de investimento, para estarem cientes dos riscos que vão tomar. No caso da gestora em questão, a Anbima observou que a alavancagem era grande, mas ela estava de acordo com a estratégia do fundo da qual os cotistas tinham conhecimento nos materiais do produto. Não havia o porquê de a Anbima entrar em contato com os sócios da gestora, uma vez que, o que ocorreu, faz parte do negócio e era um risco informado aos cotistas.