Outro dia eu estava almoçando, sozinho, ouvido música no meu som auricular, ao mesmo tempo me deliciava com uma leitura fantástica de Cristina Nehring sobre aspectos do amor no século XXI. A autora escreve em forma de prosa poética, vários ensaios sobre os amores de Dante, os poemas de Emily Dickinson, Tristão e Isolda e tanto romances clássicos.
Naquele almoço, inebriado e comovido pela leitura, era levado aos tempos antigos, às formas de amores passados, amores que nesse século as pessoas denigrem como “romantismo barato”. De repente, chega um conhecido, não amigo(?), cumprimenta-me e pede para sentar à minha mesa, ocupando assim, meu estado “autístico permitido”, onde a leitura a cada momento me sacudia em estados de apofania. Confesso que fiquei irritado, pois o conhecido não tem, como muitas pessoas não têm na vida da gente, de invadir nossa privacidade de maneira gratuita e sem um vínculo afetivo que possa compartilhar nossos momentos. Imagine que o cara desconsiderou minha leitura e começou a falar sobre política partidária. Não sou contra conversar sobre Política, mas não naquele instante. Sisudo fiquei, aborrecido já estava, o cara não se mancava e terminei meu almoço pedindo licença e deixando a criatura sozinha.
À medida que a gente vai amadurecendo e envelhecendo, vai ficando exigente, não egocêntrico no sentido pejorativo, mas egoísta no sentido de vida própria. Vez por outra o nosso “refúgio autistíco” é normal, e só cabe a gente com a gente mesmo.
Aquela era uma situação semelhante. Eu estava experimentando um prazer de sentir a literatura, a escrita da autora e os temas inseridos no livro, como um mergulho na reflexão emocional, filosófica, literária, extremamente mais rica e valiosa do que aquele cara sacal, não íntimo, intrusivo e, provavelmente angustiado sem saber ficar só com ele, provavelmente em sua alienação de muitas pessoas da classe média.
Aliás, as pessoas de hoje nunca se dão conta da riqueza de ter momentos e instantes de vida privada. No texto de Cristina, encontrei uma formulação perfeita, quando ela cita Ralph Waldo Emerson em seu ensaio sobre a “Amizade”. Olha que beleza de elaboração! “Em Friendship, Emerson formula em muitas palavras o que Dante, Tristão e Isolda representam em tantas ações. Não chegue muito perto de seu amigo muito frequentemente!, ele nos adverte. ‘Conserve-o como tua parelha. Deixe que ele seja para ti para sempre um tipo de inimigo lindo, indomável, sinceramente reverenciado e não uma conveniência trivial’ – um companheiro acessível. Os amigos verdadeiros são preciosos demais para o companheirismo casual. Facilmente nos esquecemos de sua nobreza quando os vemos muito constantemente: ‘A cor da opala, a luz do diamante, não podem ser vistas, se o olho estiver muito próximo’, declara Emerson. ‘Para meu amigo {ideal}, escrevo uma carta, e dele recebo uma carta’”.
Fascinante, caro leitor, essas elaborações de Emerson. Lembra-me o nosso querido poeta, Carlos Drummond que, em seu ensaio sobre “As Ilhas”, capta e define a saúde mental entre os viventes como: “uma relativa distância e uma não estouvada confraternização” e “Alone-together”, uma canção do jazz standard, composta por J.J.Jonhson, quando estava sofrendo o luto da perda de sua amada.
Amigos e conhecidos, com a conversa de “classe média alienada”, na minha idade e no momento da minha existência, não acresce o pouco tempo da vida, que é rica e não pode estar morta no ideal mercantilista, egocêntrico, consumista, desse nosso país pobre e miserável, principalmente por falta de ética e educação. Prefiro ficar, vez por outra, a degustar a solidão acompanhada com a prosa e a poética dos escritores, que nos enriquecem e não nos embriaga como uma “coca-cola” que nos droga, na burrice e na ignorância.
Carlos de Almeida Vieira é alagoano, residente em Brasília desde 1972. Médico, psicanalista, escritor, clarinetista amador, membro da Sociedade de Psicanálise de Brasília, Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e da International Psychoanalytical Association