Navego meio sem rumo pelas águas revoltas e turvas das redes sociais, na quarta-feira, 20, véspera dos 14 anos da morte de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro. Bato os olhos na notícia, compartilhada em rede social pelo músico, trovador e cantor baiano Fábio Paes – também professor de História da Universidade Católica de Salvador -, sobre a pesquisa global, “Perigos da Percepção 2017”, do Instituto Ipsos, realizada em 38 países, reveladora de que o Brasil tem a segunda população mais fora da realidade do mundo.
No ranking dos “sem noção” (na expressão de uma sobrinha advogada, espantada e ofendida com o vídeo machista e torpe produzido com uma jovem russa por “torcedores” em Moscou), só estamos atrás dos sul-africanos no quesito que compara opiniões da população com dados da realidade. O registro do mestre da UCSal e parceiro do trovador Elomar, acrescenta: o estudo entrevistou 29,1 mil pessoas, entre 28 de setembro e 19 de outubro. As informações coletadas foram comparadas com dados de fontes oficiais, resultando no “Índice de Percepção Equivocada”. Os piores resultados são da África do Sul (primeirão), do Brasil (vice), Filipinas (3º), Peru (4°) e Índia (5º).
Li sobre a pesquisa na quarta-feira da vitória sofrida da seleção uruguaia – 1 a 0 sobre a Arábia Saudita – suficiente para assegurar a passagem da seleção celeste da América do Sul, para a próxima fase da Copa do Mundo na Rússia. O Uruguai me levou à lembrança da morte do líder brasileiro, no dia 21 de junho, há 14 anos. E de um encontro no povoado de Carmem, província de Durazno, com o ex- governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. Uma das mais marcantes, polêmicas e instigantes figuras da vida política brasileira, a partir da segunda metade do século passado e começo do século XXI. Doa em quem doer.
Passagem pessoal e profissionalmente inesquecível. Ele, em seu exílio político, dias antes da sua expulsão pela ditadura uruguaia, em plena fase da Operação Condor, para ir cumprir nos Estados Unidos, então governado pelo democrata Jimmy Carter, a penúltima etapa de seu degredo. Eu, repórter do Jornal do Brasil, então chefe de Redação da sucursal do JB em Salvador.
Recordo, principalmente, da conversa, no trajeto de caminhonete à Durazno, para entregar leite produzido na estância. Sei que já falei do fato em outros artigos, mas repito nesta fase de trancos e barrancos, em ano de eleições gerais, e nesta semana em especial. Numa parada para abrir uma porteira, Brizola fala sobre seu desapontamento com a política e os governantes brasileiros, que ele acompanhava de longe. E reflete comparativamente sobre o fim da era Salazar, em Portugal, e o Brasil pós-ditadura que ele antevia:
“Baiano, tu sabes que venho de longe. Não precisa anotar, mas guarde na cabeça o que te digo aqui, e depois me cobre. Portugal se livrará em menos de 20 anos dos efeitos mais danosos do regime salazarista. No Brasil, os efeitos da ditadura serão mais duradouros e perversos. Levarão mais de 50 anos para passar”. Diante do meu espanto, arremata: “isso será a conseqüência mais terrível da falta de perspectiva histórica. Em nosso País, a visão em perspectiva da maioria dos políticos e dirigentes não ultrapassa cinco centímetros além do próprio umbigo”. Nada a acrescentar, a não ser: “Que falta faz Leonel de Moura Brizola!”.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br