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O Comentarista do Futuro

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Ele volta no tempo para dar aos torcedores (alerta de!) spoilers do que ainda vai acontecer
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Carta aberta ao Galo campeão

‘Comentarista do Futuro’ vai até 1971 e tenta dar conselhos, alertas e “spoilers” pra que o Atlético Mineiro não atravesse os próximos 50 anos na fila

Por Claudio Henrique
15 jun 2021, 15h10

Todo apaixonado por futebol é um colecionador incorrigível e eterno de álbuns de figurinha. Em 2021, de onde venho, mesmo com todos os avanços tecnológicos da Humanidade, eles ainda existirão. E sem grandes mudanças no formato. Até lá, o álbum mais inusitado e curioso que vou conhecer surgiu nas bancas este ano: o Bola de Prata, alusão ao prêmio que a revista PLACAR lançou ano passado e se tornará referência na eleição dos “melhores do Campeonato Brasileiro”. Foi graças às “figurinhas” desse livro ilustrado – gravadas em pequenos discos de latão que nos encorajam a transformá-las em craques do nosso time de botões – que conheci um dos ídolos da minha infância: Grapete, titular do Atlético Mineiro nesta brava conquista de ontem, 1×0 sobre o Botafogo, em pleno Maracanã, gol de Dadá Maravilha, claro! Embarquei na máquina do tempo até aqui, nesse pré-Natal de 1971, para dar duas notícias à torcida do Galo: 1) o Atlético será sempre enaltecido como o “primeiro campeão Brasileiro”, pois o novo nome da competição, adotado este ano, ainda vai sofrer algumas tentativas de alteração, mas acabará se consolidando; 2) Nos próximos 50 anos, o triunfo atleticano de ontem jamais se repetirá. Como não quero por água no chope de ninguém, também trago do futuro fatos e segredos que podem evitar este meio século sem um segundo título nacional.

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Grapete é um mineiro de Silvianópolis que, quando nasceu, provavelmente “um anjo torto, desses que vivem nas sombras” disse pra ele “ser gauche na vida”, nas palavras do poeta Drummond, seu conterrâneo de Itabira, a 474 quilômetros da cidade do zagueiro atleticano. Grapete tem mesmo vocação pra ser, digamos, “diferente”.  Já adianto que encerrará a carreira vestindo uma única camisa, a do Galo, e sem jamais marcar um golzinho. No táxi que ontem me conduziu ao Maraca, ouvindo no rádio o grande sucesso do Rei Roberto Carlos este ano, lembrei que foram exatamente “Detalhes” que me fizeram, moleque ainda, ter interesse especial e guardar na memória afetiva este zagueiro, um dos guerreiros da vitória de ontem: do semblante oblíquo, incomum, ao apelido curioso, que remete àquele refrigerante de garrafa estranha e conteúdo de cor roxa. Nas próximas cinco décadas, a imbatível gigante do setor de tubaínas investirá trilhões em patrocínios e propagandas no futebol sem nunca conseguir comemorar o surgimento de um jogador chamado “Coca-Cola”. Dores e delícias do capitalismo…

Decidi inserir na máquina do tempo as coordenadas desse 19 de dezembro porque deixei o futuro pouco minutos depois de assistir o Atlético derrotar (1×0) o São Paulo, justamente o outro postulante ao título neste triangular decisivo do Brasileirão 71, e também derrotado dias atrás pelo Galo. Em 2021, a vitória vai mais uma vez acender a esperança da imensa e apaixonada torcida atleticana, ansiosa por este Bicampeonato. Com investimentos altos, a equipe mineira terá então um time forte, reunindo jogadores relevantes do Brasil e de outros países, entre eles um que já terá sido titular da Seleção em Copa. E que será conhecido mundialmente por um apelido que, assim como Grapete, vai encantar a garotada: Hulk, o herói dos quadrinhos. E já adianto aqui, tentando aplacar a ânsia mercantilista dos executivos da Coca: não será ação de marketing da Marvel Comics.

Mas como é possível uma potência como o Atlético agonizar num jejum de meio século no Brasileiro? Em 2021, de onde venho, os torcedores galo-loucos vão poder “cantar de galo” como o maior campeão mineiro de todos os tempos, com 46 conquistas, já terão em sua sede uma taça da Libertadores da América (sim, vai acontecer, aguardem…), e uma da Copa do Brasil (competição que ainda será organizada, mas dará ao campeão prestígio de bom porte e premiação financeira maior ainda). Na sala de troféus, é mister informar, estará reluzindo também um título mor da Série B, a Segunda Divisão do campeonato nacional. Mas um segundo Campeonato Brasileiro… Não mais!

O chato é que a busca por um novo título no Brasileiro se tornará obsessão atleticana, um fantasma, um peso extra sobre as costas dos jogadores. Talvez por causa dessa pressão, caberá ao Galo, entre os maiores clubes do País, a marca negativa de pior campanha na história da competição, em 1993, quando terá apenas 14,2% de aproveitamento nos 14 jogos: uma vitória, dois empates e onze (!!!!) derrotas. Um fiasco que agora, graças a este texto, pode ser estudado e evitado desde já. A busca incessante pelo Bi também vai acabar emprestando ao clube outro epíteto que deveria ter reconhecimento mas no Brasil soa desconfortável e jamais será enaltecido pelo torcedor nas resenhas dos maravilhosos botequins de Belô. Anotem: o Galo vai adentrar a terceira década do próximo milênio como “o maior vice-campeão entre os times brasileiros”. Sim, o time que terá acumulado o maior número de competições em que levará pra casa um troféu meio desagradável. O “Quase que deu…”.

Só no Brasileirão (melhor irem se acostumando a chamar o torneio assim) vão ser 5 vice-campeonatos. Cinco!!!! E é justamente sobre esses concursos nacionais em que o Atlético bateu na trave que gostaria de falar hoje, pois os 50 anos que estão por vir vão deixar gravados no coração da massa atleticana não apenas angústia e ansiedade, mas também revolta e inconformismo, pois serão derrotas amargas, condimentadas por arbitragens polêmicas, injustiças e infortúnios do destino.

A próxima chance de vocês, torcedores atleticanos, colocarem novamente as mãos (ou as asas, de Galo) na Taça do Brasileiro será daqui a cinco aninhos. E novamente tendo o esquadrão são-paulino como adversário, numa decisão de um-contra-um e não mais nesse triangular esdrúxulo adotado este ano, que será abandonado. O Galo vai terminar o Brasileiro de 1977 somando 10 pontos a mais que o clube paulista, mas entrará em campo sem qualquer vantagem pelo feito. A boa notícia é que de hoje até este jogão vocês vão poder testemunhar e comemorar o surgimento de jogadores diferenciados. Como um cabeça-de-área (em 2021, chamaremos “volante”) esguio, meio desengonçado, de passadas largas, mas com visão de jogo e capacidade de dominar o meio-campo como poucos na História.

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Ou um atacante expedito, braços longos, serelepe e perigoso, seja em investidas oblíquas ao gol, avanços pela lateral do ataques pra cruzamentos certeiros ou chutes de fora dá área. Sem falar naquele que será um dos maiores senão o maior craque de toda a história atleticana, um centroavante baixinho, habilidoso e goleador, que vai comemorar seus gols levantando o braço com o punho cerrado, atitude incomum nesses anos de chumbo. Os três vão integrar o elenco da Seleção Brasileira por anos, mas não serão capazes de impedir a derrota de 77. Até porque, numa estranha decisão da Justiça esportiva, o tal centroavante será impedido de entrar em campo, cumprindo pena por uma expulsão de 30 dias atrás. Resultado: será o único jogo em todo o campeonato em que o invicto Galo não estufará as redes. Só o que posso dizer pra ajudar é: treinem pênaltis! Muitas e incessantes repetições! Pênaltis!

A mais intragável derrota nas futuras finais do Brasileiro se dará em 1980, contra o Flamengo. Essa, vocês, torcedores atleticanos, jamais vão engolir. O cenário será o mesmo de ontem, o Maraca. Bastará de novo um empate para o Galo levantar o caneco (ontem também era assim). Por duas vezes, um Maracanã lotado vai silenciar e assistir àquele gesto de protesto do punho cerrado, com o baixinho do Atlético empatando a partida em 1×1 e 2×2. Mas vai ter gente querendo aparecer mais que o centroavante mineiro. O juiz (cujo nome vou omitir, por prudência, uai!) vai expulsar três jogadores da Galo, entre eles o próprio baixinho, que já estará se arrastando em campo com distensão muscular. Resultado: gol do Flamengo, 3×2, frustrando mais uma vez o sonho da massa atleticana.

Por isso que, nesses dias de vitória que estamos vivendo, recomendo: pule, cante e zoe muito, torcedor alvinegro, pois as coisas pro Galo ficarão cada vez mais negras do que alvi (e só escrevo isso porque estamos em 1971) nos anos 80 e 90. Depois da fatídica final contra o Flamengo, vão se passar 19 anos até o Atlético voltar a disputar uma final do Brasileiro, em 1999, contra o Corinthians. E terá tudo pra vencer, pois novamente contará com uma equipe sagaz. Só que não. Alerta de spoiler: a partir de 2003 o Brasileiro vai adotar nova forma de disputa, com pontos corridos, sagrando-se campeão o time que somar mais pontos num torneio em que todos jogam contra todos. Por duas vezes o Galo Mineiro vai pôr uma mão na Taça. Serão times fortes, cobertos de elogios, mas vão ficar pelo caminho, em novos vice-campeonatos. E pra quem almeja tanto esta conquista, segundo lugar soa como dar ao Galo as migalhas.]

Essa jornada de decepções e inconformismo ao longo dos próximos 50 anos vai não somente criar expectativa incomensurável como tatuar na torcida atleticana uma combinação de gana e fé únicas, entoando mantras na linha “Eu acredito!”. Embarquei na máquina do tempo, junho de 2021, às vésperas do lançamento de um longa-metragem que narra essa saga do clube mineiro, “Lutar, lutar, lutar”. Tristezas que, de alguma forma, também hei de sentir, mesmo não sendo atleticano. Guardo no coração um dia mágico, que se deu (ou se dará) por agora, nesses idos de 71, quando, numa visita a parentes de Beagá, ganhei (ou ganharei, não sei a data exata) do querido (e em 2021 saudoso) Tio Pedrinho (Pedro ad-Víncula Veado Filho), sujeito de coração, sorriso e aros de óculos largos, uma camisa do Atlético. Também por conta deste presente sentirei certo conforto ao acompanhar os capítulos de redenção desta história sofrida, títulos que também virão por aí e serão retratados no tal documentário: a conquista da Libertadores e o triunfo na outra competição nacional, de que já falei aqui, a Copa do Brasil. Esse último com um detalhe: será no Mineirão e abatendo a raposa rival. Aliás, se eu contasse nesse texto detalhes sobre o Cruzeiro de 2021, amanhã seriam ainda mais fortes os fogos que hoje explodem na noite belo-horizontina.

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Mas Brasileirão “que é bão”, sinto informar, até 2021… Não vai rolar. Em 2020, já com as benesses de um bilionário torcedor que vai fazer doações de vulto ao clube, o Galo disputará a competição reforçado por contratações enlouquecedoras (e um treinador enlouquecido!). Mais uma vez o País inteiro terá a impressão de que finalmente acontecerá a tão esperada conquista (nenhum outro time dos chamados “Grandes” viverá jejum semelhante). Serão muitas semanas na liderança do campeonato, mas ao final sucumbirá pra um de seus oponentes nas “injustas” e históricas derrotas anteriores. Deixo pra vocês apostarem: Flamengo ou São Paulo? O começo em 2021 será promissor, em especial após esta vitória sobre o tricolor paulista que antecedeu minha viagem. Vou retornar a 2021 levando uma sugestão: caso finalmente venha o título, que ele seja dedicado ao Grapete. E aí a torcida atleticana vai enfim poder encher a boca pra dizer: “Chupa, que é de uva!”

FICHA TÉCNICA

Atlético Mineiro x Botafogo

Estádio: Maracanã

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Local: Rio de Janeiro

Data: 19-12-1971

Árbitro: Armando Marques

Público: 46.458 pagantes

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Renda: CR$ 294.420,00 Cruzeiros

Atlético Mineiro: Renato, Humberto Monteiro, Grapete, Vantuir, Oldair, Vanderlei, Humberto Ramos, Ronaldo, Lola (depois Spencer), Dario “Dadá Maravilha” e Tião

Técnico: Telê Santana

Botafogo: Wendell, Mura (expulso), Djalma Dias, Queirós, Valtencir, Carlos Roberto (Expulso), Marco Aurélio (depois Didinho), Careca (depois Tuca), Zequinha, Jairzinho e Nei Oliveira

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Técnico: Paraguaio

Gols:

Dario (de cabeça), aos 18/2º

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