“Fla-Flu”… “-Fle”, de flexibilizar
Mesmo confinado, o Comentarista do Futuro retoma viagens no tempo e vai até 1991 contar aos torcedores como será um clássico na final do Carioca em 2021
“Taí o que você queria!” – o bordão emitido pelo locutor Januário de Oliveira nas transmissões da TVE ganhará a eternidade e descreve esse retorno de minhas viagens ao passado, revisitando grandes momentos do futebol e, “alerta de spoiler!”, revelando segredos do futuro que os aguarda, leitores. Foi um longo período de confinamento em 2020/2021, de onde venho, por conta de uma pandemia que acometerá todo o planeta – sim, é real, e não ficção científica. Em verdade, continuo isolado, mas como recebi a primeira dose da vacina que será aplicada na galera, resolvi dar uma flexibilizada, palavra que estará muito em voga daqui a 30 anos. E o fiz na semana em que, no Rio, um “Fla-Flu” mais uma vez decidirá um campeonato carioca. Regulei minha máquina mágica para 1991, e aqui estou, ou melhor, estive, ontem, nesse 15 de dezembro festivo do Maraca, com o Clássico das Multidões decidindo o estadual. Preciso então concluir e anunciar que faço nascer assim um novo bordão: o “Fla-Flu-Fle”, o clássico da flexibilização. Mas acho que esse não fica eterno não.
Que maravilha descer aos saltos a longa escadaria da arquibancada do Mário Filho em dia de quase 50.000 pagantes e não pagantes – o que, para um jogo que já reuniu 100 e até 200.000 pessoas no estádio, não chegou a se apresentar como casa cheia… Mas vazio não estava. Até porque a chuva afastou muita gente. De largada, sinto informar que em 2021 a final do estadual no Rio não terá público algum. Por conta da já citada pandemia, todos os jogos de futebol estarão sendo realizados de portões fechados, sem a presença de torcedores. Imagino que, a essa altura, vocês estejam rindo de mim e comentando: “É um gozador, esse comentarista do futuro…” Pois, aguardem… E não serão duas ou três rodadas, não. Um Campeonato Brasileiro inteiro e os estaduais também! E isso em todo o país e também no mundo! Futebol para cadeira vazias… Também não teremos mais, em 2021, as escadarias do Maraca. Mas isso por conta de outras doenças, que só contaminam e corrompem os que dirigem nosso futebol. Outra coisa: reunir 50.000 pessoas no Maracanã será praticamente lotação máxima daqui a 30 anos. Efeitos colaterais dessas outras enfermidades.
Estaduais também viverão dias acamados no próximo século. Vão perder muito de sua força, a ponto de os clubes iniciarem a disputa com times reservas e passarem a usar a competição como uma espécie de “pré-temporada”. Sei que soa como heresia, mas é a mais pura verdade. Em 30 anos, os clubes brasileiros só terão olhos e pernas para o Brasileirão e a Libertadores – sim, essa mesma, para a qual hoje não se dá muita bola.
Com ou sem torcida, o Fla-Flu é sempre será o maior e mais charmoso clássico do futebol. E deve-se isso não apenas à sua história, repleta de emoções e folclore, mas principalmente pelo cacofonia de seu nome. Afinal, não existem um jogo com nome tão sonoro como Fla-Flu. Ou vocês acreditam que o tempo criará clássicos com nomes do tipo “Pal-Pel”, “Curíntian-Caríntian’, “Cra-Cru”, “Galo-Gala” ou “Gre-Gri”? Jamais! O que mais sempre se aproximará em simpatia sonora será o Ba-Vi de Salvador. Mas nada que ameace a grandeza e onipresença da expressão “Fla-Flu”, aquele que, segundo Nelson Rodrigues, começou 40 antes do nada.
O de ontem também teve início antes da partida em si: no dia da definição do regulamento, que definiu a vantagem a quem somasse a maior pontuação dos dois turnos do torneio, o que acabou dando o título ao rubro-negro. Flamengo e Fluminense enfrentaram-se nessas finais por terem sido campeões da Taça Guanabara, o segundo, e da Taça Rio, o primeiro. No primeiro jogo, empate em 1×1; ontem, esses 4×2 do Flamengo que, com as regras pré-estabelecidas, levou o caneco. Os gols: Ézio fez 1×0 pro Flu aos 37’ do primeiro tempo; na segunda etapa: Uidemar (12’), Gaúcho (25’), Zinho (28’), Ézio (29’) e Júnior (38’). Destaque para o golaço de Zinho, num balaço de canhota. Não foi um dia de muita sorte para o tricolor, que perdeu seu melhor jogador, Bobô, que contundiu-se sozinho, ao girar o corpo com a velocidade de um bom baiano.
Foi emocionante rever em campo jogadores que deveriam merecer mais honrarias que o futuro lhes reserva, como os centroavantes Gaúcho, do Flamengo, artilheiro desse estadual, e Super-Ézio, do Fluminense. Mas também tínhamos os Piás e Carlinhos Itaberá da vida… Alerta de spoiler: dos 22 atletas que terminaram o jogo correndo em campo (nas verdade 20, pois o Flu teve dois expulsos), dois se tornarão, anos depois, comentaristas de um mesmo canal de TV especializado ao esporte. Um deles é fácil imaginar: Maestro Júnior. Mas e o outro? Quem você arriscaria? Charles Guerreiro?
Sobre o jogo de 2021, adianto que os times de Flamengo e Fluminense não terão elencos tão equilibrados no futuro. Mas Fla-Flu é sempre Fla-Flu! Imprevisível E serão dois jogos novamente. E desta vez sem ponto extra. Mas isso é papo pra semana que vem. Ou melhor, pra daqui a 30 anos!
Rio, 15 de dezembro de 1991
Ficha do jogo
Flamengo 4 x 2 Fluminense
15/12/1991
Local: Maracanã
Juiz: Cláudio Vinícius Cerdeira
Renda: Cr$ 247.636.000,00
Público: 49.975
Gols: Ézio 37’, Uidemar 57’, Gaúcho 70’, Zinho 77’, Ézio 78’ e Júnior 83’
Flamengo: Gilmar, Charles Guerreiro, Júnior Baiano, Wilson Gottardo e Piá; Uidemar, Júnior, Nélio (Marcelinho) e Zinho; Paulo Nunes e Gaúcho. Técnico: Carlinhos.
Fluminense: Ricardo Pinto, Carlinhos Itaberá, Sandro, Júlio Alves e Marcelo, Barreto; Pires, Marcelo Gomes, Ribamar (Marcelo Ribeiro) e Renato Carioca; Bobô (Márcio) e Ézio. Técnico: Edinho.
Obs.: Pires e Carlinhos Itaberá foram expulsos.