Winston Smith vive num mundo pervertido pelos excessos da economia centralizada. A cidade é Londres. O ano é 1984. Em cada esquina, em cada vitrine e em cada apartamento existe, ao lado da sigla INGSOC (Socialismo Inglês), cartazes com o retrato de um homem sereno, porém austero, conhecido apenas como Big Brother.
“Será que ele existe de verdade?”, pensa Winston. “Será que não é apenas uma invenção do Partido?”
Pouco importa.
A figura está em toda parte e passa a impressão de que tudo vê. “O Grande Irmão zela por ti”, dizem as legendas dos cartazes. É claro que um ser dessa magnitude, mesmo fictício, tem o poder de se materializar na realidade. É o Leviatã, o deus uno e indestrutível, o senhor de todas as consciências.
No mundo desse Big Brother implacável, nada pertence ao indivíduo, a começar por sua vontade. Os passos de todos são monitorados 24 horas por dia. Para isso, o Partido conta com o auxílio de aparelhos tecnologicamente avançados. Parecem televisores, mas Winston sabe que são filmadoras.
Chamam-se teletelas e funcionam como uma linha direta de comunicação entre o Partido e os “cidadãos”. Todas as movimentações políticas, econômicas e militares são detalhadamente transmitidas aos membros do INGSOC. O problema é saber se as informações são verdadeiras.
As energias intelectuais e até mesmo físicas necessárias a qualquer reação são absorvidas por um programa denominado Dois Minutos de Ódio. Todos os dias, os membros do Partido se reúnem diante de imensas teletelas instaladas em prédios públicos para xingar os inimigos do Partido.
O auge desse amplo programa de controle se dá com o aniquilamento da consciência histórica. O Partido mantém um ministério — ironicamente chamado Ministério da Verdade — destinado a eliminar não só os documentos pré-revolucionários, mas toda e qualquer notícia díspar aos pensamentos e às profecias do Grande Irmão.
“Quem controla o passado”, diz o lema do Partido, “controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado”.
Está nos planos do Partido a criação e o aprimoramento da Novilíngua. O objetivo é simplificar o idioma. Desta forma, e por consequência, o pensamento e a realidade política simplificam-se também, varrendo das mentes a capacidade de revolta e o desejo de mudança.
Por fim, para que o Partido seja o final feliz da História e para que o Grande Irmão seja eterno, é necessário que haja alguém funcionando como o “culpado por nossa desgraça”. É o caso de um certo Goldstein, tão imaginário quanto o próprio Grande Irmão. É contra ele que são dirigidos os xingamentos dos Dois Minutos de Ódio.
É claro que a história de Winston termina em tragédia. Descobertas as suas dúvidas a respeito do Grande Irmão, é preso e levado aos subterrâneos do Ministério do Amor. Torturado, aceita que “dois mais dois são cinco” e chega a admitir, com sinceridade, que tudo que pensou de mal sobre o Partido era heresia.
“Mas agora estava tudo em paz, tudo ótimo, acabada a luta. Finalmente lograra a vitória sobre si mesmo. Amava o Grande Irmão”.
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Você acaba de ler um resumo bastante rápido de 1984, romance que George Orwell escreveu para denunciar o estalinismo (preocupação pontual do seu tempo) e lançar uma advertência sobre os perigos das ideologias totalizantes (um temor que assalta a contemporaneidade). É fácil enxergar as teletelas, a Novilíngua e os Dois Minutos de Ódio como a onipresença digital, a precariedade do ensino e o ódio das redes sociais presentes em nossos dias. Em muitos de seus itens, ao que parece, o romance-profecia se realizou. Mas há uma espécie de “erro” nos capítulos finais do livro. Todos dizem que 1984 é uma das obras mais pessimistas do século XX, mas suspeito que Orwell foi bastante otimista ao mostrar que Winston só se dobrou sob tortura. O autor sugere com isso que teríamos a capacidade de perceber o engodo à nossa volta e, mesmo que por poucos momentos, pensar com a própria cabeça. Convenhamos, foi muita fé numa humanidade que, de Big Brother, conheceria apenas o programa mais inútil e xexelento de toda a história da TV.