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Caso Miss Brasil: o nosso racismo é “melhor” que o dos outros?

Se o mito da democracia racial ainda seduz os estrangeiros, por que uma Miss Brasil negra causa polêmica?

Por Maicon Tenfen Atualizado em 22 ago 2017, 11h00 - Publicado em 22 ago 2017, 03h50

Culturalmente falando, somos ou não somos um povo racista?

Para não começar respondendo “de dentro”, já que estamos imersos na nossa própria realidade, nada melhor que recorrer às opiniões de estrangeiros que conhecem ou vivenciam o Brasil. Em entrevistas recentes às amarelas da Veja, um italiano e uma francesa, ambos entusiastas do eterno País do Futuro, apresentaram respostas inteiramente contrárias entre si.

O italiano é o sociólogo Domenico de Masi, autor de inúmeros estudos sobre o que chama de Sociedade Pós-Industrial. Recentemente lançou um livro para alardear que o Brasil, apesar da corrupção e da incompetência dos gestores públicos, “pode ser um exemplo para o mundo”. No que se refere à tolerância étnica sempre louvada no temperamento do brasileiro, o sociólogo tem uma resposta na ponta da língua.

“O Brasil”, diz ele, “nunca se propôs como campeão da democracia racial, embora o casamento entre brancos, índios e negros tenha consentimento desde sempre, o tratamento dos negros pelos brancos tenha sido sempre melhor do que o praticado nos Estados Unidos, e dezenas de grupos étnicos vivam juntos de forma mais pacífica e solidária que nos EUA”.

Já a ex-consulesa da França, Alexandra Loras, jornalista, professora e negra, não hesita em afirmar, com todas as letras, que “o Brasil é o país mais racista do mundo”. Ela também acredita que temos tudo para nos tornarmos uma superpotência. Quando o assunto é igualdade étnica, porém, deixa de lado o otimismo e pinta um quadro de decepção.

“O Brasil”, diz ela, “é o mais racista porque tem a segunda maior população negra do mundo e isso não é refletido na sociedade. Nos EUA (…) eles tiveram um presidente negro e contam com muitos negros na mídia, no show business, no Congresso, médicos, advogados, executivos. Morei quase quatro anos nos EUA (…) e nunca me senti discriminada lá. Aqui eu me sinto todos os dias, basta eu andar umas quadras e ir ao shopping”.

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Segundo o seu próprio relato, Loras nunca ouviu ofensas diretas ou desqualificativos sobre a sua condição de mulher negra, mas já foi barrada num hotel cinco estrelas de Salvador, sempre tem as bagagens revistadas nos aeroportos e frequentemente é confundida com a babá do filho, que possui a pele clara.

Em quem acreditar? No italiano ou na francesa? Qual dos dois possui o melhor diagnóstico sobre o assunto?

Ainda que manifestem opiniões opostas, ambos utilizam o mesmo método de argumentação ao comparar o Brasil com os Estados Unidos. A comparação é inevitável por uma série de coincidências históricas, mas tenho dúvidas se ela funciona na avaliação de um tema espinhoso como o racismo.

Enquanto a abolição nos Estados Unidos se deu através de uma guerra, no Brasil ela não passou de um espetáculo demagógico, uma festança de oba-obas que resultou numa emancipação meia boca, sem programas de inclusão para os ex-escravos, sem reforma agrária (por mínima que fosse) e sem a criação de um projeto educacional capaz de atender a todos.

Essa cultura do drible diz muito sobre o nosso caráter, além de seduzir amantes do Brasil como Domenico de Masi.

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Não por acaso, os melhores intérpretes de Gilberto Freyre sugerem que o mito da democracia racial só funciona enquanto um pacto de silêncio for respeitado por brancos e negros. Fique na Casa Grande quem finge que trata bem, fique na Senzala quem finge que é bem tratado, todos se encontram e se abraçam no terreiro, os negros decoram o Pai-nosso e os brancos aprendem a dançar o Lundu, mas depois é cada um na sua e ponto final.

Sempre que alguém da Senzala passa para a Casa Grande — ou vice-versa —, o berreiro “dos que tratam bem” vai começar porque há o entendimento de que o pacto foi quebrado.

É o que podemos ver no caso de Monalysa Alcântara, a nova Miss Brasil. Como ocorreu com Alexandra Loras, ela não foi “acusada” de ser negra, não diretamente — o que ocorreu, nesse sentido, foram críticas ao concurso de beleza, que teria se deixado contaminar pela lógica das cotas. O comentário mais compartilhado dizia que Monalysa não devia receber a faixa porque teria “cara de empregadinha”. Em outras palavras, ela até teria um lugarzinho na Casa Grande, desde que figurasse como serviçal, jamais como a rainha do lar.

A única conclusão a que se pode chegar é que somos racistas — claro que sim —, ainda que mais enrustidos, sutis, falsos, sub-reptícios, sarcásticos e enviesados. As comparações com os Estados Unidos sempre vão pesar a nosso favor. Dificilmente assistiremos aqui a passeatas de supremacistas brancos, mas a desconfiança e a vigilância sobre os negros, especialmente os mais pobres, continua sendo uma constante em nosso país.

O nosso racismo é “melhor” — ou menos pior — que o dos gringos, mas não se pode negar que também é, infelizmente, racismo.

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