Com 34 anos e após lançar o livro Sex, uma coletânea de 327 fotos, entre retratos e registros sensuais, Madonna cedeu uma entrevista catártica para o jornalista Elio Gaspari para uma edição histórica das Páginas Amarelas de VEJA em 1992, quando a artista já era uma consagração mundial — e alvo da crítica mais do que nunca. Na conversa, a cantora — sem papas na língua e transgressora como sempre — falou abertamente sobre a censura que sofria de uma sociedade conservadora, da sua luta contra o sexismo e a perseguição a negros e gays, mencionava preferências sexuais e até criticou o escrutínio vivido à época pela princesa Diana (1961-1961). Madonna também não se furtou de desmentir diversos boatos que circulavam sobre ela — como se era lésbica, se teria dormido com Michael Jackson (1958-2009), se saía de limusine pegando garotos no sul de Manhattan e até se teria ido sem calcinha a um desfile de moda. Tudo mentira, segundo a própria. A única verdade entre as histórias mencionadas pela entrevista é de que a estrela, de fato, gostava de receber tapas.
Confira os principais trechos:
Você é a artista mais famosa do mundo e também a estrela mais censurada de todos os tempos. Essa repressão destina-se a domesticá-la. Por que você não baixa a bola? Eu sou censurada porque procuro mostrar a verdade e a verdade incomoda. A ideia de me conformar não me passa pela cabeça. Faço o que eu quero e vou continuar a fazer. Os artistas não devem se conformar. Quer saber de uma coisa? Essa questão nem me preocupa.
Você põe medo nas pessoas. Seu comportamento, sua sexualidade, sua nudez e até mesmo suas roupas amedrontam. Por que? Não sei, nem sou eu quem tem que saber. Eu faço minhas coisas a sério. Não sou eu quem tem que explicar a reação dos outros. As coisas que eu faço não são estranhas e eu sempre fui como sou. Nunca pedi desculpas, nem vou começar a pedir. Pelo contrário, não vou parar minha luta.
E qual é sua luta? Contra o racismo, o sexismo, a perseguição contra homossexuais, o preconceito, a ignorância.
Na última frase do seu livro Sex você diz que “muita gente tem medo de dizer o que quer e é por isso que eles não conseguem o que querem”. Esse medo é o mesmo em todas as áreas da sociedade? O mesmo, de alto a baixo. Há muita repressão, muita mistificação.
O que acha da princesa Diana? Eu tenho pena do que fazem com ela. Todo mundo pega no pé dessa moça. Ela não é uma artista, é uma princesa. Casou com um sujeito para ter e criar filhos, Cercaram-na de tal maneira que ela vive numa situação temível. Tudo o que se escreve sobre ela é ruim, perverso. Deviam deixá-la em paz.
Por quais razões você acha que a sociedade americana vai mal? Porque nela não se diz a verdade e porque as pessoas não se divertem, não vivem a vida com prazer. É um problema que começa na infância e vai adiante no processo educacional. As pessoas são educadas para terem medo de tudo. Há medo demais por aí.
Se você fosse homem a baixaria contra seu trabalho seria a mesma? Não posso saber, porque não sou homem, mas acho que seria bem menor.
Quanto? Digamos que ela seria um quinto do que é. É um palpite razoável.
A obscenidade existe? Existe e está diante das nossas caras. É o racismo, a discriminação sexual, o ódio, a ignorância, a miséria. Há coisa mais obscena que a guerra?