Em meados de 1974, quando já era uma das bandas que mais vendiam discos no mundo, o Led Zeppelin convocou os executivos de sua gravadora com uma exigência incomum: eles queriam contratar um fotógrafo oficial para as turnês, porque as imagens que saíam nos jornais nunca incluíam o baterista John Bonham. “Esta é uma banda de quatro pessoas, e eu não quero mais que isso aconteça”, teria dito o guitarrista Jimmy Page. A demanda era um sinal inequívoco do valor que o grupo dava a Bonzo — um dos apelidos do músico. O desinteresse dos fotógrafos por um cara que ficava lá no fundo do palco tinha razão de ser: até então, exceto por raríssimas exceções, bateristas serviam apenas para marcar o ritmo — jamais eram vistos como as estrelas das bandas. O próprio Bonham, porém, brigava para fazer valer a crença que sempre o moveu: a de que a bateria é o motor da música e, como tal, deveria ficar na frente do palco. A máxima podia não se aplicar a qualquer grupo de rock, mas no caso do Led Zeppelin era incontestável: os outros integrantes o consideravam, com razão, seu coração pulsante. Na dramática e última turnê do quarteto pelos Estados Unidos, em 1977, Bonham pôs em prática essa ideia: lá pelas tantas, Page, Robert Plant e John Paul Jones se retiravam de cena e, pelos trinta minutos seguintes do show, ele assumia o espetáculo quebrando tudo no solo percussivo Over the Top.
Bonzo: John Bonham e a ascensão do Led Zeppelin
O espantoso é que o mesmo músico que embasbacava os fãs com suas pancadas avassaladoras também ilustrava de forma cabal o lado autodestrutivo do rock, com baladas homéricas e consumo industrial de álcool e drogas. Bonham incorporou como poucos o lema “Viva rápido, morra jovem” quando, em 1980, foi achado morto por asfixia no próprio vômito após consumir mais de quarenta doses de vodca, com apenas 32 anos. A falta de interesse em bateristas, de maneira geral, se refletiu também na literatura. Apesar de existirem inúmeros livros sobre o Zeppelin, foi apenas com a biografia Bonzo: John Bonham e a Ascensão do Led Zeppelin, lançada em 2021 nos Estados Unidos e que chega ao Brasil na quarta-feira 15, que a complexa personalidade do roqueiro foi dissecada, desde sua formação musical até as razões que o levaram a se viciar em álcool.
O Contador de Histórias: Memórias de Vida e Música
O livro esmiúça a adolescência do artista e, ainda que o autor não tenha contado com a ajuda de nenhum ex-integrante da banda, ouviu diversas pessoas que frequentaram o círculo íntimo do Led Zeppelin, adicionando novas histórias ao cânone do conjunto. Há também uma análise profunda sobre a técnica de Bonham e a influência contínua que exerce até hoje nos bateristas — como Dave Grohl, do Foo Fighters, que assina o prefácio.
Apesar de sua incomparável força bruta, característica que resume o estereótipo de um baterista de rock — não por acaso, também era conhecido como The Beast (a Besta) —, Bonham explorava sutilezas rítmicas que remetiam aos mestres do jazz. “Ao contrário da maioria dos bateristas de rock, influenciados pelo blues, ele ouvia muito mais jazz, e isso foi essencial em sua formação”, explicou o autor a VEJA. Nas horas livres, Bonham se dedicava a um passatempo peculiar: os carrões envenenados. Um capítulo inteiro versa sobre os veículos que ele possuía, como um Ford T de 1915 equipado com um motor para corridas. “Há uma relação das pancadas na bateria com sua atração pelo barulho dos motores”, teoriza o autor.
Led Zeppelin: Quando os gigantes caminhavam sobre a Terra
Nada disso, no entanto, evitou que Bonham fosse capturado por uma espiral de problemas que o levaram a beber compulsivamente. Para o biógrafo, ele estava deprimido pelas longas turnês que o deixavam distante da família. “Eles eram uma banda muito rentável e estavam cercados de puxa-sacos. Não acho que Bonham estaria morto se tivesse tido o suporte necessário”, diz. Após sua morte, não houve dúvida por parte dos integrantes remanescentes de que o grupo não tinha como continuar. “Mais que os Beatles, o Led Zeppelin demonstrou como os quatro integrantes eram cruciais para o som único da banda”, afirma o autor.
Anos mais tarde, em 2007, os três músicos se reuniram para uma apresentação bissexta tendo na bateria Jason, filho único de Bonham e também um respeitado baterista. Ao final do show, Jason questionou Robert Plant sobre novas reuniões, e ouviu que, sem seu pai, o Led Zeppelin jamais voltaria. Para além do respeito mútuo, a decisão de encerrar a banda era também o reconhecimento de um fato: sem sua máquina voadora, aquele dirigível não atingiria mais as alturas incríveis a que levou o rock ‘n’ roll.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832
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