O glamouroso tapete vermelho do Festival de Cannes encheu-se de gente com relâmpagos azul e vermelho pintados no rosto. Símbolo facilmente atrelado a David Bowie (1947-2016), desde o lançamento do seu álbum Aladdin Lane em 1973, a homenagem comemorava o lançamento do primeiro documentário sobre o autor desde a sua morte em 2016, Moonage Dream, na sessão de meia-noite da segunda-feira. 23.
Para o diretor Brett Morgen, o filme era uma experiência, ou melhor, uma odisseia cinematográfica, criada a partir de milhares de horas de gravações inéditas, e do acervo oficial de Bowie. Imagens do artista em entrevistas, clipes, gravações, são intercaladas com pinturas de sua autoria e uma colagem dos artistas e da produção ocidental do século XX: de Oscar Wilde e James Baldwin passando por trechos de filmes como 2001: Uma Odisseia no Espaço. Com 2 horas e 20 minutos de duração, a intenção do filme não era revelar o verdadeiro Bowie, e nem mesmo explorar a sua vida pessoal, mas oferecer ao público um tempo extra com ele.
Moonage Daydream, título emprestado de uma das músicas mais emocionantes do clássico disco Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972), começa com um trecho de Bowie sobre a morte de Deus, conforme decretada pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Segundo o artista, o espaço deixado dentro de nós precisava ser preenchido por alguma outra coisa. Talvez a sua música, ou talvez o próprio artista. Em uma das muitas entrevistas usadas na obra, Bowie diz que gostaria de ser um messias do rock’n’roll, um messias que veio do espaço. Personas do músico, como Ziggy Stardust e o Thin White Duke, se fundem com o David Bowie de dia de semana, em imagens que percorrem os seus quase 50 anos de carreira. As 2.000 pessoas da sala de exibição em Cannes vibraram com trechos de clipes e músicas, como Space Oddity, Starman e, claro, Moonage Daydream.
Depois dos créditos, uma surpresa: uma mensagem de Bowie, agradecendo ao público, e dizendo que aprendeu muito sobre todos nós naquele encontro. “We’ll meet again, we’ll meet again. Don’t know where, don’t know when” (Nos encontraremos de novo, nos encontraremos de novo. Não sei quando, nem onde), entoou, na música de Vera Lynn. O Grand Théâtre Lumière, uma das principais salas de cinema do mundo, explodiu em aplausos por quase 10 minutos, da orquestra ao balcão. Depois de agradecer a todos, Morgen falou sobre a influência de David Bowie em sua trajetória. “Bowie mudou a minha vida aos 13 anos, e agora de novo, ao fazer este filme.” Estrelas nunca morrem.