Filho de imigrantes judeus que sobreviveram aos campos de concentração na Polônia, o líder e baixista do Rush, Geddy Lee, ganhou seu nome, Gershon, em homenagem ao avô, morto no Holocausto. Nascido há setenta anos em Toronto, no Canadá, onde vive até hoje, Geddy penou na adolescência com ofensas antissemitas de colegas da escola e bullying devido aos cabelos compridos, óculos de lentes grossas e espinhas no rosto. Em Geddy Lee: a Autobiografia, livro que será lançado no Brasil no final deste mês, ele conta como essas experiências o transformaram de menino franzino a ídolo mundial do rock. “Sou resultado das histórias que ouvia da guerra. Infelizmente, há pessoas por aí que ainda odeiam o meu povo. Não posso controlar isso, mas rezo para que o bom senso governe e não tenhamos que passar por um período de ódio semelhante ao que meus pais passaram”, disse Lee a VEJA. Vem também dessas experiências o nome artístico. Gershon soava como Geddy, no sotaque iídiche da mãe.“Aposto que Robert Allen Zimmerman pensou o mesmo (sobre seu nome) antes de se tornar Bob Dylan”, brinca.
Geddy fundou o Rush no final dos anos 60 com o colega de escola, o guitarrista Alex Lifeson. Depois do primeiro disco, trouxeram para o trio Neil Peart. Além de baterista fenomenal, que passou a incorporar ao seu enorme e variado kit de percussão instrumentos como címbalos, ele se tornou o letrista da banda, misturando versos pretensiosos com ficção científica barata. Outra força do grupo era o próprio Geddy, que se revezada entre o baixo e os teclados, além da voz peculiar, em um tom tão agudo que alguns chegaram a compará-la à de um rato esganiçado. Muitos também torciam o nariz para o som da banda, uma mistura de rock pauleira com longas viagens instrumentais. Os fãs adoraram e, aos poucos, até a crítica se rendeu à banda, que encerrou a carreira após a morte de Peart, por câncer no cérebro, em 2020.
O comportamento do trio era tão peculiar quanto a sua música. Em uma turnê com o Kiss, por exemplo, enquanto as groupies faziam fila nos quartos dos hotéis para ficar com os ídolos mascarados após os shows, os nerds canadenses matavam o tempo vendo desenhos pela TV. Na biografia, no entanto, Geddy faz questão de dizer que eles não estavam tão distantes assim da tríade “sexo, drogas e rock’n’roll”. “Éramos filhos dos anos 60 e fomos criados em uma cultura de drogas”, conta. “Experimentamos de tudo um pouco. A diferença é que não nos permitimos ser vítimas dessas experiências.”
O Brasil também marca presença na narrativa, desde a gravação do DVD Rush in Rio, de 2003, até os perrengues para transportar os equipamentos em turnê pelo país. Em um momento impagável, Geddy se diverte ao descobrir que a banda ganhou projeção por aqui graças à série Profissão: Perigo, do incontornável MacGyver, exibida pela Globo nos anos 1980 — a vinheta da abertura brasileira era embalada pela canção Tom Sawyer do grupo: “Eu não sabia disso. Valeu, MacGyver!”.
O livro ganha ares dramáticos quando Geddy revela como foi o último show do Rush, em agosto de 2015, e a posterior descoberta do câncer de Peart: “Quando ele morreu, eu não queria mais pegar em nenhum instrumento, mas encontrei conforto na escrita”. Ele achou também tempo para fazer a série de TV Geddy Lee Pergunta: Baixistas Também São Humanos?, da Paramount+, na qual visita baixistas famosos, como Roberto Trujillo, do Metallica, para conhecer seus hobbies. Durante o programa, Geddy redescobriu o prazer de tocar e garantiu que retornará aos palcos: “Não sei se será com o Alex ou sozinho. Cedo ou tarde, voltarei”.
Enquanto isso não acontece, ele cultiva passatempos da adolescência, como a coleção de cards de beisebol (esporte pelo qual ele é fanático) e fotografias de aves. Outro prazer é a companhia do neto, que não tem a menor ideia da sua fama e se surpreendeu ao descobrir que três corpos celestes foram batizados com os nomes de Lee, Peart e Lifeson. A homenagem faz jus ao trio de estrelas improváveis do rock.
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2023, edição nº 2867
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