O novo disco de Anitta, Versions of Me, está entre nós. O trabalho chega aos serviços de streaming após uma campanha de divulgação sem precedentes, com mobilização de fãs na internet, lançamentos de singles no mercado americano e latino, participações em programas de TV gringos e a expectativa com duas apresentações no festival de Coachella, a serem realizadas em 16 e 23 de abril. Hoje, Anitta é inegavelmente a artista pop brasileira mais ouvida no mundo. Mas o novo trabalho guarda um paradoxo difícil de engolir: a artista praticamente ignora seu idioma materno. Das 15 faixas, apenas uma é interpretada em português.
A estratégia de cantar em inglês e espanhol faz sentido para uma artista que está se internacionalizando, e não é nenhuma novidade em sua carreira (Kisses, de 2019, também foi trilíngue). Até o título do álbum sugere essa mudança, ao mostrar as várias versões de Anitta. Mas, curiosamente, quem lhe dá mais da metade das audições que levaram o hit Envolver recentemente ao primeiro lugar do ranking global do Spotify são mesmo os fãs brasileiros. Exatamente aqueles que ela agora deixa de afagar no disco.
O périplo que Anitta fez pela mídia americana nos últimos meses impressiona. Ela participou de dois concorridíssimos talk shows (The Late Late Show with James Corden e The Tonight Show Starring Jimmy Fallon), foi perfilada pela revista americana Rolling Stone e elogiada pelo jornal The New York Times, que destacou o preconceito que a artista enfrentou no Brasil por ser uma cantora de funk.
A suprema ironia é que, embora Anitta já tenha mais de dez anos de carreira e seja uma das artistas mais ricas do país (sua fortuna foi estimada em mais de 500 milhões de reais), ela ainda está tentando encontrar sua própria identidade. Ao final da audição de Versions of Me, permanece a dúvida: quem é, afinal, Anitta? Qual é a versão dela que conquistou os fãs? A cantora canta com desenvoltura em três línguas diferentes, mas atira para tantos lados que não dá para saber que tipo de artista ela é. As músicas passeiam por ritmos distintos como o funk carioca, o reggaeton, a música eletrônica, o trap e o rap. Em comum, trata-se de ritmos de inegável apelo popular, mas que dialogam com públicos distintos.
Em Girl From Rio, uma das faixas do novo álbum, divulgada no ano passado, Anitta sampleia Garota de Ipanema e entrega um trap com ginga brasileira, mas interpretado em inglês e sob medida para gringo ouvir. Mesmo tão transformado pela versão da cantora, o clássico de Tom Jobim e Vinicius de Moraes oferece ali um perfeito contraste que só escancara como o restante do repertório é genérico.