Na noite desta segunda-feira, 30, o cantor Gusttavo Lima fez uma transmissão ao vivo em seu Instagram para falar sobre o pagamento de cachês milionários que ele recebeu por seus shows, feitos com dinheiro público vindo de prefeituras de pequenas cidades do interior. Aos prantos, ele disse: “Estou cansado. Estou a ponto de jogar a toalha”. Durante a transmissão, o cantor Zé Neto (cuja declaração criticando Anitta e a Lei Rouanet, durante um show em Sorriso, MT, no mês passado, serviu de estopim para a crise) mandou uma mensagem para Lima, defendendo-o. “Cara, quem tem que dar satisfação sou eu, irmão. Estou atravessando uma fase ruim, sou seu irmão. Não precisa se explicar, joga para mim irmão, não tem nada a ver com você”. Na sequência, Lima afirmou que tudo isso só está ocorrendo porque o país está em período eleitoral. “Ultimamente eu nem falo de política, tudo o que está acontecendo é por causa do ano eleitoral e vale tudo sobre política, até arrebentar uma pessoa no meio”, afirmou.
Na realidade, a polêmica só estourou nos últimos dias porque as declarações de Zé Neto e Cristiano escancaram uma hipocrisia entre boa parte dos cantores sertanejos. Notórios apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e críticos da Lei Rouanet, sempre fustigada pelo presidente como fonte de “mamata” da classe artística, os sertanejos viram expostos pela imprensa seus cachês milionários pagos com dinheiro público de prefeituras em eventos como rodeios e vaquejadas. Pegou muito mal ainda a declaração de Zé Neto em que ele mandava uma indireta para a cantora Anitta, debochando de certa tatuagem íntima que ela fez. “A gente não precisa fazer tatuagem no ‘toba’ para mostrar se a gente está bem ou não. A gente simplesmente vem aqui e canta e o Brasil inteiro canta com a gente”, disse.
Quase a totalidade dos shows de Gusttavo Lima neste ano será feita em cidades do interior e os valores, quando desembolsados pelas prefeituras, começaram a despertar a atenção dos Ministérios Públicos estaduais. Muitos deles já questionam de onde sairão esses pagamentos. O MP de Roraima entrou em contato com a prefeitura de São Luís, para entender por que Gusttavo Lima vai ganhar 800.000 reais por um show na cidade, que é a segunda mais pobre do estado. Já na Baixada Fluminense, o cantor foi contratado por 1 milhão de reais para fazer o show de aniversário da cidade de Magé. O caso mais escandaloso é o da cidade mineira de Conceição do Mato Dentro, que pagaria 1,2 milhão de reais ao artista, mas cancelou a apresentação após a divulgação de que os recursos seriam pagos com o dinheiro dos tributos da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral), que só podem ser usado em educação, saúde e infraestrutura.
Vale lembrar que não é crime uma prefeitura contratar o show de um artista ou organizar um evento usando o dinheiro público. O que chama atenção, no entanto, é que nesses casos é impossível que seja feita uma licitação, já que há apenas um fornecedor possível (não existem dois Gusttavos Limas no mundo) e não há controle nem prestação de contas, diferentemente do que ocorre com a Lei Rouanet. No caso da lei, cada projeto precisa passar por uma comissão que analisa e homologa os gastos, e o pagamento de cachês a artistas não pode ser maior do que 3.000 reais. Também é preciso prestar contas. Não por acaso, a hashtag #CPIdosSertanejos viralizou, com as pessoas exigindo a fiscalização desses pagamentos. Aparentemente, a farra dos pagamentos de cachês milionários ainda vai render muito chororô dos sertanejos.