‘Menescal me chamou de maluco. Adorei o comentário’, diz Fagner
Músico lança seu 38º álbum, 'Além Desse Futuro', e celebra seus 50 anos de carreira

Aos 74 anos, Fagner não dá sinais de desacelerar. Nesta sexta-feira, 2, chega aos serviços de streaming seu 38º álbum, Além Desse Futuro, e celebra seus 50 anos de carreira. Para o futuro, ele já tem pronto um disco de Bossa Nova, feito em parceria com Roberto Menescal, ainda sem data de lançamento.
Fagner conversou com VEJA sobre o trabalho e disse que sempre colocou a carreira a frente da vida pessoal. Como consequência, não abriu espaço para relacionamentos pessoais. Neste disco, ele tenta remediar a situação, ainda que pouco, com a música Filho Meu, composta por ele em parceria com Caio Silvio (autor de grandes sucessos da discografia do cearense, como Noturno [Coração Alado] e Pequenino Cão), onde ele faz uma homenagem a Bruno, filho que ele assumiu tardiamente após um exame de DNA. Fagner mantém um excelente relacionamento com o filho e com as duas netas, mas diz que os vê menos do que gostaria. “Sou como um time que se preocupa só com o ataque e deixa a zaga desguarnecida e sou pego com a bola nas costas”, diz.
Dono de baladas românticas incontornáveis da música brasileira, Fagner segue a mesma toada neste novo trabalho, com canções feitas em parcerias também com Zeca Baleiro, Fausto Nilo, Toninho Geraes, Chico Alves e Jorge Vercilo. Do álbum, a única canção que não é de sua autoria é Onde Deus Possa Me Ouvir, do mineiro Vander Lee (1966-2016).
No bate-papo com VEJA, Fagner lembrou ainda que o convite para Ferreira Gullar fazer a tradução do bolero Borbulhas de Amor (Tenho Um Coração) foi uma estratégia para evitar críticas da imprensa, e afirmou que, após jogar muita bola com Chico Buarque, eles perderam a amizade, mas gostaria de retomá-la. Confira a seguir os melhores momentos da entrevista:
O senhor completa 75 anos este ano e está celebrando 50 anos de carreira. Imaginava atingir essa marca? Nunca imaginei. Quando eu era jovem, meu irmão, que era um grande seresteiro, pegava aqueles discos das antigas e eu via aquelas fotos, daquele pessoal velho. Você nunca imagina que um dia será um deles. É uma estranheza. Sempre procurei ter uma cabeça boa. Estou trabalhando há um tempão nesse disco. Na minha idade, o tempo passa muito rápido. A vontade de estar no palco é forte, mas o tempo é demolidor.
O senhor sempre foi muito reservado com sua vida pessoal. No entanto, há uma música para o seu filho, Bruno, que foi reconhecido por meio de um exame de DNA. Como se deu esse processo? É uma música forte e emotiva. É uma homenagem ao tempo que tivemos juntos. Mas não foi fácil esse processo. Foi doloroso. Faço uma leitura do tempo que perdemos. Não dá para voltar o tempo. Por ter tantos anos de carreira, sempre priorizei a carreira e perdi muito da vida pessoal. Com as viagens, eu vejo pouco os netos. É complicado para a pessoa que assumidamente bota a carreira em primeiro plano. Poucos da minha geração estão na estrada até agora. Fica um buraco na retaguarda pessoal. Sou como um time que se preocupa só com o ataque e deixa a zaga desguarnecida e sou pego com a bola nas costas.
Um de seus maiores sucessos, Borbulhas de Amor, é uma versão em português de um bolero de Juan Luis Guerra, da República Dominicana, muito famoso em toda a América Latina, que no Brasil ganhou tradução de Ferreira Gullar. O senhor acredita que os brasileiros olham pouco para a música da América Latina? O Brasil tem uma hipocrisia com música latina. Sempre olhamos para a música dos Estados Unidos e damos as costas para a América Latina. O Ferreira Gullar é maranhense, estado que os estudiosos dizem falar o português mais correto. Quando recebi essa música, eu sabia que a imprensa ia cair em cima. Imagine cantar uma versão bolero de uma música latina? Mas joguei sujo. A única pessoa que os críticos não julgariam a tradução seria o Ferreira Gullar, um dos maiores poetas do Brasil. Ele foi meu amigo. Quem o apresentou para mim foi Vinícius de Moraes. Ele foi o protetor de Gullar durante a ditadura na Argentina, se não fosse por ele, Gullar jamais voltaria para o Brasil. Na época dessa música, eu estava em baixa no Brasil, brigava com todo mundo, ninguém queria me ver. A Clara Nunes fez uns axés em cima de mim, ela dizia ser para tirar o descarrego, sabe? Aquela coisa toda. Aí o Vinicius me apresenta o Gullar.
O senhor era muito amigo de Chico Buarque, mas após uma declaração sua para as Páginas Amarelas de VEJA, a amizade desandou. Já deu tempo de fazer as pazes? Ele foi um grande amigo das peladas, de música e viagens. Chico é meu irmão. Teve uma época em que tínhamos o mesmo carro e a mesma guitarra. Não saíamos da casa um do outro. Aí, veio a entrevista em que dei minha opinião sobre o referendo do desarmamento e falava de Chico e outros artistas. Fiquei dez anos na geladeira da Globo. Apesar disso, Chico sempre foi muito carinhoso comigo. Eu o chamo de Francisco e ele me chama Raimundo. Teve um momento, no entanto, que tive que me envolver com política aqui no Ceará. Ainda não voltei a jogar bola com o Chico, mas tenho certeza que não há mais motivo para isso.
Roberto Menescal já disse que de incendiário, o senhor virou bombeiro. É verdade? Ele me disse esses dias que voltei a ser incendiário novamente. É que fiz um disco de Bossa Nova que ainda lançarei e ele participa do trabalho. Gosto de ficar botando voz no disco, fico 15 horas numa música – e depois repito. Ele não aguentou. Ele disse que eu tinha que ser internado, que eu era maluco. Adorei o comentário. E eu ainda botei uma sanfona e uma flauta nas músicas. Ele não gostou. Mas o disco é meu.
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