Novos livros iluminam Charlie Watts, o baterista dos Rolling Stones
Morto em 2021, músico teve papel notável na coesão da banda — e na contenção de seus egos
Fã de jazz, praticamente abstêmio e fiel à esposa até o fim da vida, o inglês Charlie Watts foi a antítese da tríade sexo, drogas e rock’n’roll. Morto em agosto de 2021, aos 80 anos, o baterista dos Rolling Stones só saiu da linha uma vez: ao dar uma célebre bofetada no colega Mick Jagger, em 1984. Após voltar de um show em Nova York, Jagger, alcoolizado, chamou o companheiro de banda de “meu baterista”. Ofendido, Watts foi até o cantor e disse: “Não sou seu baterista. Você é que é meu vocalista” — e tascou-lhe o tabefe. O stone certinho creditava a reação a uma crise de meia-idade, única época em que teria abusado do álcool e das drogas. Mas o episódio serviu também como lição de bons modos — e limites — ao vocalista de ego notoriamente inflado.
Charlie Watts: o gênio discreto que deu o ritmo dos Rolling Stones
Histórias saborosas como essa são relembradas em duas biografias do músico que agora saem no país. Charlie Watts: o Gênio Discreto que Deu o Ritmo dos Rolling Stones (HarperCollins Brasil) é um relato autorizado feito pelo escritor e amigo da banda Paul Sexton, com base em centenas de horas de entrevistas que ele fez com o artista. Bem mais despretensiosa, Charlie Watts — Sympathy For The Drummer (Belas Letras) foi lançada pelo jornalista Mike Edison em 2019, dois anos antes da morte do personagem, e traz um apanhado de causos divertidos sobre o baterista, entremeados com ácidas análises sobre os loucos anos 1960 e 70. Embora exponham nuances sobre sua trajetória, as biografias oficial e alternativa são uníssonas sobre um ponto: o pacato Watts foi, quem diria, a pedra fundamental capaz de manter os Rolling Stones unidos por seis décadas a fio.
Por meio dos dois livros, os fãs dos Stones tomam conhecimento das políticas internas da banda, de intrigas de bastidores e, principalmente, abrem uma janela para conhecer a dinâmica do grupo para além das loucuras da incorrigível dupla Mick Jagger e Keith Richards. “Nada é simples quando você tem de lidar com Jagger todos os dias”, disse Mike Edison a VEJA. “Não há estrelas do rock maiores que os Stones. Mas Charlie era diferente. Sua vida não foi tão barulhenta quanto sua banda”, completa.
Charlie Watts: Sympathy for the drummer
Nascido em Londres, em 1941, Watts aprendeu a tocar bateria ainda na infância, incentivado pelo pai, um caminhoneiro. Apaixonado por jazz e blues, ele iniciou a carreira musical tocando numa banda chamada Blues Incorporated, mas ganhava a vida desenhando cartazes numa agência publicitária. Só aceitou entrar para os Stones, em 1963, quando os colegas garantiram que fariam dois shows por semana, gerando grana suficiente para sua sobrevivência. Desde então, só faltou a uma apresentação, nos anos 1960, porque confundiu o endereço. Após a fama, passou a admirar carrões e tinha uma coleção deles — ainda que não soubesse dirigir. Colecionava baterias em galpões alugados, mas não tinha nenhuma em casa. Era, ainda, aficionado por memorabilia da Guerra Civil americana. Além de nunca ter abandonado o jazz — até o fim da vida manteve, em paralelo aos Stones, seu Charlie Watts Quintet.
As verdadeiras aventuras dos Rolling Stones
A força moral do baterista fica evidente em dois momentos críticos do grupo dissecados num terceiro livro que também acaba de sair no país. As Verdadeiras Aventuras dos Rolling Stones (Belas Letras) tem como autor Stanley Booth, um outro amigo dos músicos. Seu relato investiga uma tragédia que abalou a banda: a morte de Brian Jones, o guitarrista e membro fundador do grupo encontrado afogado em uma piscina após uma trilha de excessos, aos 27 anos, em 1969. Booth também acompanhou de perto o violento show do festival de Altamont, na Califórnia, em que a gangue de motoqueiros Hells Angels espancou até a morte um fã dos Stones e sacramentou o fim da geração paz e amor. Em ambos os casos, o potencial de estragos à imagem foi imenso, e poderia ter custado a existência dos Rolling Stones. A banda sobreviveu, contudo, e a temperança de Watts foi crucial para mantê-los unidos. Em Altamont, lembra o autor, o baterista continuou tocando impávido mesmo quando ameaçado por um baderneiro fortão em pleno palco. Perder o ritmo, jamais.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842
*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.