Os novos sertanejos que fazem sucesso na trilha da ‘agro-exaltação’
Vertente musical mistura elementos caipiras com funk e eletrônica para enaltecer — até como propaganda explícita — as riquezas do Brasil no campo
Nas últimas semanas, o hit sertanejo Pipoco vem ocupando o primeiro lugar das músicas mais tocadas no Brasil pelo Spotify. De chapéu de palha, cinto com fivela de Nossa Senhora Aparecida e botas nos pés, a dona do sucesso é a sul-mato-grossense Boiadeira, nome artístico de Ana Castela, de 18 anos. Exceto pelo toque de berrante no início do arranjo, o hit gravado em parceria com a paulistana Melody e o DJ paranaense Chris no Beat não tem outros elementos típicos, como sanfona e viola caipira. No lugar, entram as batidas eletrônicas e o pancadão. Essa mistura incomum é a apenas a ponta do iceberg de um novo fenômeno musical: o agronejo — que também atende por agro music, hip-roça ou eletromodão, movimento que deslocou o eixo criativo do ramo de Goiânia para Maringá e Londrina, ambas no Paraná, e investe nos batidões das baladas. Mas quem pensa que isso implica rendição à cultura da cidade grande se engana: como nunca antes se viu no sertanejo, as letras exaltam o agronegócio e a vida no campo de forma nada sutil. Além da Boiadeira, duplas como Adson & Alana (que se intitulam “Os Embaixadores do Agro”), Léo & Raphael, Us Agroboy e os cantores Luan Pereira, Loubet e Bruna Viola são os nomes mais vistosos da nova brigada rural.
Em anos recentes, com o sucesso do sertanejo universitário e do “feminejo” de cantoras como Marília Mendonça, o ritmo parecia estar envergonhado da vida caipira. Ganhou letras que falavam sobre baladas, barzinhos, bebedeiras e, claro, de chifres — não exatamente aqueles dos bois. Agora, o sertanejo se volta novamente, e com orgulho redobrado, para o campo. Não mais com as letras idílicas que marcaram seus primórdios: entra em cena a defesa econômica e social do universo do agro. Como resultado, surgem músicas e videoclipes que mais parecem peças de propaganda — e em alguns casos realmente são. Com uma média de três shows por semana, os irmãos paranaenses Adson e Alana acumulam mais de 150 milhões de visualizações no YouTube e são patrocinados por empresas da agricultura e pecuária, exibindo as marcas e os maquinários em seus clipes e até os citando nas letras. Em Colonão, Alana dá bem o tom do “agro-exaltação”: “As novinha hoje não querem mais os cara da cidade / se uma colheitadeira / vale mais que uma Ferrari”. Na sequência, o vídeo da música emenda com a imagem de um monomotor voando sobre a lavoura, ao som de um refrão de arrepiar qualquer ambientalista: “Ão, ão, ão, passa o veneno de avião”. “Invertemos o papel, colocando o homem do campo no pódio, como um vencedor”, diz Alana. “Só vinculamos nosso trabalho a empresas e marcas em que acreditamos. É positivo para ambos os lados”, completa.
A dupla Léo & Raphael, com média de cinco shows por semana, também enaltece o agronegócio, mas garante que ainda não teve patrocínio de empresas. “Fazemos isso porque acreditamos no agro. É uma causa”, diz Léo. No clipe de Os Meninos da Pecuária, com 65 milhões de visualizações no YouTube, eles exibem informações sobre quanto o campo movimentou em 2020 (990 bilhões de reais), o preço da arroba do boi gordo (317 reais) e o número de cabeças de gado que o Brasil possui (214,7 milhões). “Quantas Ferraris tem aqui nesse pasto?”, cantam. Como se vê, a turma do agronejo é melhor em lidar com o pasto e os carrões do que com as letras.
Agronegócio: uma abordagem econômica
Por trás do movimento estão o compositor Sorocaba, que investiu na dupla Us Agroboy, e o escritório Agroplay, do empresário Rodolfo Alessi, que tem sob seu guarda-chuva Léo & Raphael, Ana Castela, Luan Pereira e Chris no Beat. “Muitas vezes, o povo da cidade não sabe a origem do hambúrguer que come”, diz Sorocaba, que também é engenheiro agrônomo. “Levantamos a bandeira do agro e agora vamos procurar as empresas e dizer: ‘Dá uma mão aqui’”, afirma Alessi, que garante ter investido só dinheiro próprio na produtora, mas espera fazer parcerias nos próximos meses. Neste ano, ele prevê movimentar cerca 100 milhões de reais, com o cachê de seus artistas girando em torno de 25 000 a 100 000 reais.
Até no cinema, a agro-exaltação está presente. A cantora Bruna Viola, do hit Mulher do Agro, vai estrelar em breve a comédia de ação Sistema Bruto, com Jackson Antunes, Marisa Orth, Nelson Freitas e Oscar Magrini no elenco. Os produtores se orgulham em dizer que não captaram nenhum dinheiro público e apresentam uma extensa lista de patrocinadores, a maioria ligada ao campo. O agro nunca foi tão pop.
Publicado em VEJA de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800
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