No começo dos anos 1970, o sucesso que Tina Turner galgava na célebre dupla formada com o marido e guitarrista Ike contrastava com a realidade de seu casamento: em casa, o parceiro a submetia a uma violência atroz. “Ele usou meu nariz como saco de pancadas tantas vezes que eu podia sentir o gosto de sangue escorrendo pela minha garganta enquanto cantava”, escreveu a cantora em seu livro de memórias, Minha História de Amor (2018). Até que, em 1º de julho de 1976, uma nova briga nos bastidores de um show em Dallas, no Texas, foi a gota d’água. Após anos de agressões, ela criou coragem e fugiu. Com apenas 36 centavos de dólar no bolso, encontrou abrigo num hotel do outro lado da rodovia, de onde só saiu dias depois. Na batalha pelo divórcio, não levou nenhum dos bens (exceto as dívidas), mas fez duas exigências: ser livre e manter o nome artístico. Emancipada das garras do marido, a artista — que morreu na quarta-feira 24, aos 83 anos, em sua casa na Suíça — protagonizou nos anos seguintes uma das mais espetaculares carreiras da música, transformando-se em ícone do rock e símbolo do poder feminino.
Tina Turner: Minha história de amor
“As pessoas acham que minha vida foi difícil, mas acredito que foi uma jornada maravilhosa.”
Tina Turner (1939-2023)
Nascida Anna Mae Bullock em 26 de novembro de 1939, em Brownsville, Tennessee, Tina foi um fenômeno de popularidade. Dona de vocais ásperos e poderosos, ela interpretou canções que marcaram gerações por suas inovadoras fusões de soul, blues e pop. Hits como Proud Mary, What’s Love Got to Do With It, Better Be Good to Me e We Don’t Need (Another Hero) — essa última, tema do filme Mad Max 3 (1985), no qual atuou como a vilã — ajudaram a vender mais de 200 milhões de discos em todo o mundo. Feito inédito até então para uma artista feminina, mas não só: Tina provou que a mulher podia alcançar o sucesso e ser sexy após os 40, com seu corpo torneado e suas perucas empoderadas. Os shows explosivos e impactantes a levaram a bater outro recorde em 1988, quando atraiu mais de 180 000 pessoas ao Estádio do Maracanã, o maior público pagante de um evento do gênero no mundo até então. Parte dessa história pode ser vista em São Paulo na exposição fotográfica Tina Turner: uma Viagem para o Futuro, em cartaz no Museu da Imagem e do Som. “Seu show era tão bom porque ela conseguia se conectar verdadeiramente com o público”, disse a VEJA o inglês Bob Gruen, fotógrafo que a imortalizou.
A plenitude do ser: o guia para uma vida transformada
Private Dancer
Na vida pessoal, a musa demonstrou um espetacular poder de resiliência e superação. Em 1985, após o sucesso do álbum Private Dancer, ela conheceu o executivo musical alemão Erwin Bach, que se tornaria seu companheiro pelo resto da vida. Nos últimos anos, se isolou na Suíça, mudança de ares que a levou a renunciar à cidadania americana, em 2013. Mãe de quatro filhos, viu dois deles morrerem de forma trágica. Craig se suicidou em 2018, aos 59 anos. Em 2022, outro filho, Ronnie, morreu de câncer, aos 62. Em 2016, a própria cantora revelou que teve um derrame severo e que se tratava de um câncer — a causa da morte, no entanto, não foi revelada. “A história de Tina não é de vitimização, mas de triunfo incrível”, resumiu certa vez a cantora Janet Jackson. Musa inabalável até o fim, Tina foi uma gigante na música — e na vida.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2023, edição nº 2843
*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.