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Olhares Olímpicos

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O blog da redação de VEJA na Olimpíada
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Mergulho no Rio profundo

Existe uma outra Olimpíada disputada no complexo esportivo de Deodoro, 40 quilômetros subúrbio adentro

Por Daniel Hessel Teich
Atualizado em 30 jul 2020, 22h05 - Publicado em 17 ago 2016, 14h14
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  • Projetado como uma espécie de satélite do Parque da Barra da Tijuca, o Parque Olímpico de Deodoro está em uma órbita muito diferente da principal estrela dos Jogos do Rio. Não é apenas a distância geográfica que afasta os dois principais complexos esportivos construídos para a Olimpíada.

    Na Barra, chega-se de metrô, uma linha que custou 9 bilhões de reais – valor que o Tribunal de Contas do Estado já suspeita que tenha sido superfaturado em pelo menos 2 bilhões de reais. Ao final do trajeto pelo subsolo dos bairros mais ricos do Rio, o passageiro embarca nos ônibus do BRT com destino ao parque. Mesmo com o jeitão de gambiarra que virou marca da Olimpíada carioca, o lugar impressiona pelas instalações impecáveis (ainda que muitas deixem claro que foram feitas para ser desmontadas) e pelo ar cosmopolita.

    Da Zona Sul para Deodoro, também se vai de metrô. O viajante  toma as composições mais antigas rumo à Central do Brasil ou ao Maracanã (o meu caso). Ali, embarca-se nos trens da Supervia para o subúrbio profundo. Os equipamentos são novos, limpos e o ar condicionado funciona bem. Cercados por muros, os trilhos avançam entre casebres, edifícios em estado decrépito e barracos. Dentro do vagão, o ambiente é animado por uma legião de vendedores. Um deles apelava ao patriotismo: “Vamos lá, brasileiros, vamos comprar. Esses estrangeiros não gastam nada”. Outro, zoou com os chineses. “Chega de ching-ling. Fone de ouvido bom é o da Apple que custa 78 reais na Promoinfo  e na minha mão sai por 10”. Entre Cascadura e Madureira, um sujeito se postou no meio do vagão, com um um headset com microfone e demonstrou as virtudes de um cortador de legumes ao picotar uma cenoura e descascar uma maçã.

    O desembarque ocorreu na estação de Magalhães Bastos. Ao descer na plataforma, perguntei a um voluntário qual a melhor saída para o centro olímpico. Ele me disse que tanto fazia. Tomei a mais próxima. O resultado foi uma longa caminhada entre um barranco coberto de grama seca e oficinas mecânicas e casas simples. No cenário ostensivamente patrulhado por soldados do Exército, cheguei a um ponto mais movimentado, sob um pontilhão. Um blindado de grande porte estava estacionado em uma esquina. A cena me lembrou uma fotografia clássica da Rio 92, quando tanques parecidos mantinham as favelas sob a mira. Em Deodoro, não existia aquele ar de festa e oba-oba da Barra da Tijuca. As pessoas demonstravam basicamente enfado, cansaço e uma permanente prontidão ao que se passava ao redor.

    Estação ferroviária de Magalhães Bastos: cenário árido

    Estação ferroviária de Magalhães Bastos: cenário árido

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    Quando as obras ainda estavam em andamento, era parte da campanha oficial dos jogos o legado que ficaria para os moradores de Deodoro. A impressão que se tem, com a Olimpíada quase no fim, é outra. O complexo parece uma bolha, inflada com uma densa concentração de militares. A instalação é parte de um imenso complexo militar decadente, com um cemitério nos arredores. Durante as competições, o território olímpico foi vedado aos moradores da região. Um vizinho do parque com quem dividi parte da caminhada rumo à entrada principal, reclamou que é obrigado a dar uma volta imensa para ter acesso aos transportes públicos. “Os militares fazem o que querem. Não te deixam passar e pronto”, diz. Solícito, me orientou com a simpatia de anfitrião orgulhoso: “Você saiu do lado errado, andou demais. E à toa”. Nenhum voluntário me deu informação parecida.

    A principal área de convivência do parque de Deodoro em si lembrava um picadeiro montado para uma festa ao ar livre, semelhante a eventos agropecuários do interior. No live site, um telão exibia o jogo de futebol feminino entre Brasil e Suécia para duas dezenas de pessoas que tentavam se abrigar do sol inclemente sob uma sombra. Um grupo um pouco mais numeroso subia  a passarela no sentido da arena onde ocorriam as partidas de hóquei sobre a grama. A área de esportes radicais, no extremo do terreno, anda apagada desde que a corredeira artificial que abrigou a canoagem slalom deixou de ter competições.

    Live site no Parque de Deodoro: publico escasso

    Live site no Parque de Deodoro: publico escasso

    As disputas de BMX prometem animar Deodoro na reta final dos Jogos, mas naquele início de tarde de terça-feira o parque era apenas um cenário sem alma, sem vibração e sem público. Era a materialização de uma olimpíada única no planeta, realizado em uma cidade profundamente marcada por um abismo social. Uma viagem até lá é um programa que talvez pareça um mico em meio à farra esportiva do resto da cidade. Mas é uma oportunidade única para quem quer entender melhor o Rio e o país como um todo. Quem reclama, com certo exagero, de transitar em uma cidade maquiada, com suas contradições atenuadas, ali tem a chance de ver a vida real. Pode-se reclamar das filas, da falta de organização e dos imprevistos que marcaram os primeiros Jogos da América do Sul.  Mas não dá para dizer que o Rio escondeu a realidade. Em Deodoro, expomos nossas entranhas. Basta querer enxergar.

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