As periferias brasileiras, com sua resiliência e solidariedade, enfrentaram a pandemia da Covid-19 de maneira exemplar. No entanto, hoje nos deparamos com uma nova e insidiosa epidemia: as fake news. Ao longo da última pesquisa realizada pelo Data Favela, descobrimos que 94 milhões de moradores das periferias já acreditaram em alguma notícia falsa. Esse fenômeno está se espalhando como um vírus, trazendo consequências graves para nossas comunidades.
Lembro de conversar com Dona Bete, uma comerciante de 52 anos da comunidade do Heliópolis, em São Paulo. Ela contou como foi enganada por uma notícia falsa sobre um suposto benefício financeiro do governo. “Recebi a mensagem pelo WhatsApp e, desesperada por um auxílio extra, compartilhei com meus amigos e familiares. Descobri tarde demais que era tudo mentira. Perdi tempo, esperança e ainda gastei dinheiro com ligações e mensagens,” desabafou ela.
Esse tipo de história é mais comum do que imaginamos. A pesquisa revela que 25% dos entrevistados identificam a eleição de maus políticos como o principal risco das fake news, enquanto 23% temem pela reputação das pessoas. Outro caso que ilustra bem essa situação é o de João, um jovem de 28 anos da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Ele admitiu ter retransmitido uma notícia falsa sobre vacinas para sua família. “Quando descobri que era mentira, me senti burro e envergonhado. Eu só queria proteger meus pais, mas acabei gerando desconfiança desnecessária,” contou João, visivelmente abatido.
Durante a pandemia, as favelas sofreram mais do que os bairros ricos. Faltou acesso à saúde, informação e suporte financeiro. Agora, enfrentamos uma situação similar com as fake news. Elas atacam a confiança, a educação e a coesão social das nossas comunidades. A pesquisa do Data Favela mostra que 89% das pessoas já acreditaram em informações falsas. Pior ainda, 58% confiam na própria capacidade de diferenciar notícias falsas das verdadeiras, mas apenas 21% acreditam que os outros conseguem fazer o mesmo. Essa desconfiança coletiva só agrava o problema.
É chocante ver que 78% dos entrevistados concordam que existem grupos especializados na produção de fake news, e 82% acreditam que há grupos que se beneficiam financeiramente dessas mentiras. A pandemia da Covid-19 nos ensinou que precisamos de informação confiável e de união para superar crises. Com as fake news, não é diferente. Precisamos de mais educação digital e políticas públicas que protejam nossos cidadãos.
A desinformação afeta diretamente o desenvolvimento econômico das periferias. Dona Bete e João são exemplos de como as fake news podem prejudicar tanto consumidores quanto empreendedores locais. É hora de reconhecermos essa nova epidemia e agirmos de forma coordenada para combatê-la. Precisamos fortalecer nossas comunidades contra essa ameaça, assim como fizemos durante a pandemia.
Como cofundador do Data Favela, junto com Celso Athayde, acredito no potencial das periferias brasileiras. São locais cheios de criatividade, inovação e capacidade de superação. No entanto, a proliferação de fake news ameaça esse potencial. Devemos investir em iniciativas de educação e conscientização, para que todos possam identificar e combater a desinformação.
Vamos juntos enfrentar essa nova epidemia com a mesma coragem e solidariedade que enfrentamos a Covid-19. Afinal, a verdade e a união são nossas maiores armas contra qualquer crise.