A Matrix Editora lança, em agosto, o livro Penúltimas Memórias, do economista Roberto Giannetti da Fonseca, falando sobre suas experiências em 20 anos da política e da economia. Na obra, ele relata, entre outros fatos, passagens com FHC, o venezuelano Hugo Chávez e ditador cubano Fidel Castro.
Leia um trecho:
No início de agosto de 2001, recebi um inesperado convite do presidente FHC para comparecer com ele e um grupo de ministros e autoridades brasileiras na cerimônia de inauguração da já referida linha de transmissão de energia elétrica entre a venezuelana Usina de Guri e a cidade brasileira de Boa Vista no Estado de Roraima, que ocorreria no dia 13 daquele mês na pequena cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén, na fronteira entre os dois países. A viagem até aquele remoto ponto foi uma aventura, já que a etapa final de Boa Vista até Santa Elena foi feita em helicópteros militares abertos, com uma visão magnífica daquela exótica região fronteiriça misturando ambientes de savanas, florestas e os impressionantes tepuies, relevo em forma de meseta, com paredes verticais abruptas e cumes planos, realmente como uma mesa. Lá chegando, fomos todos recebidos pelas autoridades locais, prefeitos, deputados, vereadores e banda de música, e a comitiva do presidente foi depois encaminhada para uma grande tenda armada na região de fronteira, na qual os presidentes FHC e Hugo Chávez se reuniriam por algumas horas antes da inauguração da conexão elétrica.
Qual não foi nossa surpresa quando, ao descer do helicóptero presidencial da Força Aérea Venezuelana, Chávez, aos gritos, anuncia: “Mi gran maestro e amigo Fernando Henrique, tengo hoy una gran sorpresa para honrarnos en esta ceremonia de apertura. Me acompañó un invitado especial, nuestro gran amigo Fidel Castro, quien hoy cumple 74 años. ¡Brindemos juntos en su honor!”. E, por incrível que possa parecer, o personagem lendário que todos conhecemos dos livros de história e da mídia internacional desceu do helicóptero logo em sequência ao presidente Chávez, com a sua histórica farda verde oliva, aquele boné típico da guerrilha cubana e um charuto ainda apagado entre os dentes. Fidel Castro havia chegado dois dias antes a Caracas para comemorar seu aniversário de 74 anos, e a convite de Chávez “esticou” sua visita para rever o presidente brasileiro. Fidel, ao descer da aeronave, parecia ter algum sério problema de coluna, andava com o tórax duro, como se usasse uma armadura por baixo da farda naquele sol equatorial de 40 graus. Poderia talvez estar usando um colete à prova de balas.
Parecia uma miragem para todos nós o surgimento inesperado de Fidel Castro naquela cerimônia. Chávez e Castro abraçaram efusivamente o presidente FHC, cumprimentaram um a um os integrantes da delegação oficial brasileira, e logo depois Chávez deu o braço aos outros dois colegas, disse que eles tinham muito a conversar e se isolaram num canto do acampamento, em torno de uma mesa com água gelada e café. Lá conversaram por quase três horas. Na hora da despedida, Chávez, novamente me reconhecendo como o “homem da ponte”, disse-me em voz alta, para todos ouvirem: “Ya le he dicho al presidente Fernando Henrique que cuando vamos a inaugurar el puente sobre el río Orinoco, vamos a nadar los tres presidentes juntos de un lado al otro”. No que FHC respondeu, de pronto: “Así que no tardes mucho en construirla, de lo contrario, ninguno de los tres estará vivo para entonces”. Chávez e Fidel se foram alguns anos depois, e FHC continua vivo até os dias em que escrevo este capítulo, em dezembro de 2022, com mais de 90 anos de idade.
No voo de volta ao Brasil, FHC me chamou na sala reservada do avião presidencial e a sós comigo puxou conversa sobre aquele inusitado encontro em Santa Elena de Uairén. Lembro-me que ele falou que estava muito preocupado com o discurso cada dia mais radical do Hugo Chávez, e que temia pelo futuro do país vizinho, no que tinha toda razão. Agradeceu-me pela primeira vez pelo êxito na estruturação do financiamento da ponte, e se assegurou de que não haveria mesmo nenhum risco de inadimplência da parte venezuelana. Disse-lhe que ficasse tranquilo, que não haveria problemas. A ponte foi finalmente inaugurada com alguns anos de atraso pelos presidentes Lula e Chávez, no dia 13 de novembro de 2006, logo após Lula ter sido reeleito. O financiamento PROEX foi integralmente pago ao Banco do Brasil pelo governo venezuelano com os recursos depositados previamente na escrow account. A partir de 2003, a nova administração do BCB, a cargo de Henrique Meirelles, recolocou o CCR para plena utilização dos exportadores brasileiros.