Há uma coisa adorável em Gilberto Dimenstein: a coerência. Ele sempre está errado. O que mais me encanta em seu texto é seu simplismo indignado, uma certa tolice das luzes: sempre que ele tenta iluminar um debate, consegue obscurecê-lo. Um encanto mesmo. Como é ligado a esse negócio de ONGs, então parece que está sempre falando “em nome” de uma coletividade. Leiam esta, vá lá, coluna:
Mentiras sobre a cerveja de Paris Hilton
Saiu a nova propaganda de cerveja protagonizada por Paris Hilton, com um protesto contra uma suposta censura. Não houve nenhuma censura.
A determinação foi feita pela própria entidade de publicitários que regula a propaganda. Não há, portanto, nenhuma interferência de governo. E a decisão é baseada numa pressão da sociedade para que a publicidade de bebida seja mais responsável, evitando apelações que estimulem o abuso do consumo –uma dessas apelações, como concordaram os próprios publicitários, é vincular álcool ao sexo ou estimular o consumo abusivo.Uma coisa é governo
censurar; é um atraso. Outra é a sociedade livremente dizer os limites; isso é um avanço.
O único serviço educativo que Paris Hilton prestou em toda a sua medíocre vida de socialite foi levantar um debate sobre a importância de disciplinar mais as imagens associadas ao consumo de álcool – afinal, é um dos grandes problemas de saúde pública do Brasil.
Na minha visão, qualquer celebridade, atriz ou modelo, que se preste a estimular o consumo abusivo do álcool atenta contra a saúde.
Comento
Dimenstein não conta nenhuma novidade. Todo mundo sabia que a ação foi do Conar. Mas quem mobilizou o Conar? A tal Secretaria Especial dos Direitos da Mulher. E não porque a propaganda associasse sexo e álcool, mas porque a peça, dizia-se, feria a dignidade da mulher. Ou algo assim. Naquela tal secretaria especial, a imagem da “mulher gostosa” é proibida. Mulher só pode carregar bandeira, com o calcanhar sujo de militância e o estômago cheio de idéias de vingança. Houvesse um secretaria para homens, o padrão seria, assim, meio pançudo e suarento, né? Nada de propaganda de cueca. Cueca é para guardar dólares.
Que pressão da sociedade? Quem é a sociedade? Gilberto Dimenstein não teria dúvida de dizer, espécie de Luís 14 do onguismo: “A sociedade sou eu”. Quem protestou? A propaganda em que Paris Hilton aparecia é mais, como direi?, “devassa” do que aquela em que aparece “A Boa”? Ou uma outra de bebida em que rapazes sedentos de álcool e sexo pedem para a brasileira brejeira “dar uma mexidinha”? O que será que certos setores não suportam? Vai ver é aquela sensualidade “loura” que vem lá do “império”…
Dimenstein, como se vê, não gosta da vida fútil de Paris Hilton. O Tio, como se nota, não só cuida da moral e dos bons costumes como também gostaria de dar conselhos à loura doidivanas: “Monte uma ONG, minha filha! Descubra a metafísica que há em sair colando caquinhos por aí”. Digamos que este senhor tenha ajudado 10 crianças, 100 ou 100 mil. Isso lhe dá o direito de atuar como esbirro da censura? Isso lhe confere licença para ser o censor virtuoso?
“O fascismo começa caçando tarados”. A frase é de Betolucci, numa antiga entrevista à revista BRAVO! É preciso ser entendida em seu devido contexto. O Mal não seduz porque expõe a sua cara feia. Esse é o fundamento mítico da tentação do demônio. O pretexto é sempre meritório. É claro que não se deve incentivar o consumo excessivo de álcool; é claro que é preciso haver comedimento ao anunciar produtos que, consumidos sem freios, podem fazer mal à saúde. Mas não será por meio da censura que se vai chegar lá. Especialmente quando, em vez de um critério claramente definido, abre-se a porta para o juízo meramente discricionário.
Essas coisas são curiosas, não é? Os babacas associam “a direita” a tudo aquilo que é restritivo, que cheira a proibição, a censura mesmo, a repressão. Já a esquerda, o progressismo, seria o contrário. É uma estupidez contra os fatos. Mas que persiste. Não! Ninguém tem dúvida de que Gilberto Dimenstein é bem mais “progressista” do que Reinaldo Azevedo. Ele defende a censura; eu a combato.
Poderíamos fazer outros testes para investigar o teor de progressismo de um Gilberto e de um Reinaldo, não é mesmo? Que tal o aborto?
Escreve ele:
O poder público não deve deixar de facilitar o acesso a preservativos e a pílulas. Tampouco deixar de oferecer a interrupção da gravidez, uma forma dolorida, indesejável, que consiste num último recurso.
Entendo. Certo progressismo não suporta propaganda de mau gosto de cerveja, mas acha que oferecer o aborto é uma obrigação do Estado. Eu, muito reacionário que sou, defendo o direito que os fetos humanos têm à vida e acho a censura detestável.