Alaor Leite: advogado concede entrevista, e país fica menos burro
Até que enfim um estudioso lembra que caixa dois não pode ser anistiado porque não se anistia o que crime não é
Eis que acesso a Folha e dou de cara com uma entrevista de um jovem chamado Alaor Leite. Parece ter menos de 30. É advogado. O currículo é bom: doutorando em direito na Universidade Ludwig-Maximilians, a Universidade de Munique. Em 2011, foi premiado por ter escrito a melhor dissertação de mestrado da instituição — sim, em alemão. É aluno de Claus Roxin, um dos mais afamados criminalistas do mundo. Começo assim para evidenciar, é certo, que bobo o rapaz não é. Há muito tempo os “especialistas” nativos — ele é nativo, mas está em longes terras — andam sem coragem de dizer coisa com coisa.
Vai que fique parecendo que eles são contra a Lava Jato, né? O clima de patrulha é tão estúpido que um advogado não tem receio de parecer idiota. Só não quer que digam que está do lado errado.
Leite começa lembrando o básico: caixa dois, por si, não é crime, embora, por óbvio, possa ser parte de uma arquitetura criminosa. E aí acrescenta o que tem sido ignorado por aqui:
“Evidentemente, a contabilidade paralela pode estar conectada a outros delitos, que possuem outros requisitos que devem ser provados.”
Entenderam? Aquilo que querem o Ministério Público Federal e alguns incautos que foram às ruas no domingo não pode ser: caixa dois não é, por exemplo, sinônimo de corrupção. Evidenciar que uma coisa aconteceu não serve como prova da outra.
O doutor toca em outra questão essencial, de que já tratei aqui uma duzentas vezes. Referindo-se à suposta tentativa de se anistias caixa dois, afirma:
“[a proposta] É, ao mesmo tempo, delirante e ardilosa. Delirante porque não se pode anistiar o que não existe, seria algo como uma herança de uma pessoa viva ou o assassinato de um morto. A anistia refere-se a fatos passados que configuravam crimes e que devem ser apagados, especialmente por razões nobres de estabelecimento de paz social. Veja-se o exemplo da possível anistia a integrantes dos grupos paramilitares na Colômbia. Comparemos, enrubescidos, esse caso com a tentativa de anistiar um delito inexistente.”
Que toquem os sinos!
Que soem as trombetas!
Que o céu se derrame em bênçãos!
Finalmente surge uma voz, que não a minha própria, a dizer que NÃO SE ANISTIA O QUE NÃO É CRIME.
Trata-se de um delírio, sim! Mas de um delírio inventado pelo MPF e comprado pela imprensa, que não tem coragem de confrontar os procuradores.
E Leite faz outra consideração, que precisa ser bem entendida:
“A discussão [da anistia ao caixa dois] é ardilosa, pois pode ser que, por trás dessa discussão, esteja a abjeta tentativa de anistiar outros delitos bastante graves, como a corrupção. Enquanto não retirarmos de cena a discussão da anistia, não conseguiremos discutir o essencial: como construir um sistema jurídico-eleitoral legítimo e eficiente?”
Tomara que todos os veículos em que trabalho contratem Alaor Leite para dar algumas aulas de direito!
Já estava me sentindo um pregador do deserto: “Gente, não se anistia o que não é crime! A única possibilidade seria anistiar corrupção, peculato, lavagem… E isso não vai acontecer porque, por óbvio, o Supremo não permitiria”.
É o que está dizendo o estudioso, o especialista.
Leiam a entrevista. Ele critica, por ineficazes e confusas, as tais 10 Medidas contra a Corrupção do Ministério Público e censura, sim, ainda que de modo elegante a criminalização da política. Afirma:
“Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, mas gozam de outra estatura se comparados a uma fábrica: eles representam a única via de consecução dos anseios democráticos da população. Quanto à pena da corrupção, ela pode chegar atualmente a 16 anos de prisão. O aumento de pena serviria apenas como um aumento no poder de barganha dos acusadores nos acordos de colaboração.”
Naquela que é, ao mesmo tempo, a mais dura e a mais serena crítica aos “Savonarolas” e demagogos que andam por aí, ele recomenda humildade e estudo aos que se apresentam como salvadores da pátria:
“Por que não estudar todos esses exemplos [elo se refere ao que é feito em outros países] antes de propor uma isolacionista e histriônica salvação nacional? Os nossos proponentes ignoram o debate internacional. Também a ciência brasileira não foi consultada. Tais como estão, as propostas existentes manifestam inescapável contradição: ao ignorarem a discussão científica nacional e internacional, os proponentes privatizam o que deveria ser público, destilando o veneno que pretendem combater.”
Eis que um jovem advogado concede uma entrevista e torna o Brasil menos burro!