A Corregedoria da Polícia Civil do Rio decidiu ouvir o delegado Orlando Zaccone, titular da 31a DP do Rio. Salvo melhor juízo e se não perdi nada, a sua função é reprimir o crime, não festejar o que quer que seja em companhia de criminosos ou de apologistas do crime. Mais: se está num ambiente decorado com as provas materiais de um ato criminoso, a sua obrigação é intervir e fazer cumprir a lei.
Todo pimpão, ele diz não ver a hora de se explicar à corregedoria. O eixo central de sua argumentação é o seu direito de participar, como cidadão, de causas que acha justas etc. e tal. No limite, poderá apelar até à liberdade de expressão. Uma ova!
A premiação “Molotov de Ouro” para o melhor ato de vandalismo, festa de que o delegado confessadamente participou em novembro — e, segundo diz ele, com orgulho —, foi uma celebração de crimes. Mas não foi apenas uma celebração retórica, não. Vejam isto:
Esse é um manequim da Toulon, que tinha sido roubado da loja que havia sido saqueada no Leblon. O produto, pois do roubo estava lá. Essa imagem foi extraída de uma falsa página de humor, que faz a apologia dos blak blocs e do vandalismo. A imagem aparece com a seguinte legenda: “Manequim vandalizado da Toulon chegou com traje de gala, mas não falou com os jornalistas”.
Será que o delegado Zaccone não viu? Impossível. A mesma página dá com destaque esta outra foto, demonstrando que o produto da depredação, do saque, do roubo, foi, digamos, personagem central do evento. A legenda que acompanha a imagem é esta: “Manequim da Toulon faz discurso de agradecimento. O silêncio do ser inanimado emocionou a plateia presente”. Sabem a quem a foto é atribuída? À tal “Mídia NINJA” — sim, aquela de Pablo Capilé.
Então…
Então o delegado Orlando Zaccone estava num evento em que um produto roubado era o centro das atenções, merecendo a premiação máxima, e ele não fez nada? No mínimo, dava para enquadrar os entusiasmados no crime de receptação de produto roubado, Artigo 180 do Código Penal, a saber:
Art. 180 – Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influi para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Isso na hipótese de não ter havido a confissão da depredação e do roubo, claro! Considerando a associação permanente dessa gente pra delinquir e a óbvia distribuição de tarefas entre elas, cabe também enquadrar a turma em formação de quadrilha, Artigo 288. Transcrevo:
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.
O delegado estava, confessadamente, presente à festa. Já negou a sua primeira versão e deixou claro, em texto veiculado na Internet, que não esteve lá por acaso. Era um convidado. O produto do saque, do roubo, decorava o evento. Ele não fez nada. Prevaricou.
E estou a um passo de acusar de prevaricação também o ilustríssimo secretário de Segurança Pública do Rio, o senhor José Mariano Beltrame. A esta altura, já deveria ter chamado o seu subordinado para convidá-lo a fazer a identificação dos promotores de uma festa decorada com produtos sabidamente roubados.
Ah, sim: abaixo, a imagem do tal “Molotov de Ouro”, celebrando o crime. Não, senhores! Não se tratava de uma piada. Esse coquetel pode ser de mentirinha, mas ele celebrava os coquetéis de verdade..