É claro que o tucano José Serra sofreu uma derrota importante na disputa pela Prefeitura de São Paulo. E ela precisa ser pensada.
Desde o começo
Sempre achei — e há textos a respeito — a sua candidatura uma operação de altíssimo risco. Como a memória, até agora, graças a Deus, nunca me falhou, sei bem o que escrevi no dia 19 de janeiro deste ano. Leiam (em azul):
Na verdade, nunca achei que [Serra] cometeria a sandice de sê-lo [candidato à Prefeitura]. É evidente que [Serra] dispõe de todos os predicados para o cargo e fez uma excelente gestão quando prefeito – tanto é assim que se elegeu, pela primeira vez na história, governador no primeiro turno, em 2006. “Sandice” por quê? Porque seus adversários passariam a campanha cantando o samba de uma nota só: “Se for prefeito, vai renunciar para se candidatar à Presidência…” Ocupar-se-iam menos em dizer por que eles próprios deveriam estar na Prefeitura do que em dizer por que o outro não deveria. E estariam, ainda que com más intenções, vocalizando o sentimento de boa parte dos paulistanos, que acham que seu lugar é a Presidência. Uma pesquisa bem-feita e honesta revelaria esse dado, estou certo.”
Eis aí o que eu pensava e, obviamente, penso ainda. No mesmo texto, eu notava duas outras coisas:
1 – O jeito Kassab de negociar:
Negociando com os tucanos de um modo muito peculiar, o prefeito se encontrou com Lula e propôs uma aliança: indicaria o candidato a vice na chapa de Fernando Haddad. E ainda teria anunciado que levaria consigo uma penca de vereadores. Uma guinada e tanto na carreira do prefeito, não é?, que se elegeu com os votos dos não-petistas em São Paulo. Uma parte do PT reagiu mal, mas Lula mandou estudar a proposta, e o comando do Diretório Estadual diz que é preciso ver a possibilidade sem preconceitos. Imaginem só: Haddad candidato com o apoio de Kassab, restar-lhe-ia fazer oposição aos, bem…, aos tucanos do governo do Estado, suponho.”
2 – O risco PT
O cenário confuso de agora sugere, para muita gente, uma chance real de o PT vencer a eleição na cidade, o que não seria bom para ninguém – inclusive para o futuro presidenciável do PSDB, seja ele Serra, Aécio ou J. Pinto Fernandes…
De volta a outubro de 2012
Eu tenho compromisso com o que escrevo, ora! Posso ser surpreendido por decisões erradas ou insensatas deste ou daquele, mas o que interessa, para os leitores, é a natureza do jogo — e é isso que eles vêm buscar aqui. Por isso, passaremos dos 4 milhões de visitas neste mês. Adiante.
A decisão de Serra de se candidatar, dado o alinhamento, então, dos astros políticos, era arriscada e, em si, errada. Como se nota, não estou dizendo isso agora, não é? Não faço análise de ocasião. Mas Gilberto Kassab não lhe deixou outra saída. Emparedou-o com a decisão de apoiar Fernando Haddad à Prefeitura — a menos que o candidato fosse… o próprio Serra em razão da lealdade pessoal e coisa e tal… Para não ver fraturado o bloco que vinha governando a cidade o estado, lá foi o tucano para a operação arriscada, que chamei de “sandice” no dia 19 de janeiro. A questão é saber se havia alternativa. Não havia. O prefeito não aceitava nenhum outro nome do PSDB.
Então vejam que fantástico acontecimento se deu: os petistas, com o auxílio da imprensa amiga, ressuscitaram aquela cretina questão da renúncia (que só fazia sentido porque dela, supostamente, teria originado o poder de Kassab, o que é falso) e a juntaram com a rejeição ao prefeito. E passaram a atribuir a Serra um papel impossível: ele seria a um só tempo “guru” do prefeito — jornalistas usaram a palavra como informação referencial, como se fosse um dado da natureza — e continuador do pupilo; criador e criatura ao mesmo tempo… Lula impôs Fernando Haddad na base do dedaço, e esses mesmos iluministas saudaram: “Viva a novidade!”.
A armadilha
Muito bem! A decisão de Kassab de apoiar o PT a menos que Serra fosse o candidato empurrou o tucano para a disputa, que foi perdida justamente por causa do… fator Kassab! Aquele que levou Serra a se candidatar está na raiz de sua derrota. Tudo consumado, no dia, seguinte, já está negociando com…, Fernando Haddad, o vitorioso. Kassab encontrou um lugar na política que é o do “ganha ou ganha”.
Agora o futuro
Ontem, li e ouvi muitas manifestações as mais desrespeitosas sobre o futuro de Serra. Desrespeito menos à pessoa do político do que à inteligência de leitores e telespectadores. Muitos decidiram lhe dedicar um réquiem, como dedicaram a Arthur Virgílio há dois anos, quando foi derrotado na disputa por uma vaga ao Senado. Acaba de se eleger prefeito de Manaus com uma votação consagradora.
Não sei qual será o futuro político de Serra. Sei que ele continua a ser uma das cabeças mais lúcidas do país — afirmei isso no debate na VEJA.com e reitero agora — e que a propalada “renovação da política”, que teria sido revelada agora pelas urnas, é uma dessas soberbas tolices que só interessam às raposas que não renovam nada. Ainda escreverei a respeito.
O PSDB levará em conta o quadro que tem ou cairá na cascata da “renovação”? Considerando o histórico, a resposta pode não ser a mais lúcida. Ontem, não faltaram manifestações estúpidas. Há quem esteja vendo com bons olhos, sinal de enraizamento nacional do partido, a vitória em Manaus, Teresina, Maceió e Belém… Duas capitais na Região Norte, duas na Nordeste e nenhuma na Sudeste… Então tá!
Confrontando, como sói acontecer, o consenso, vejo menos renovação do que reiteração de certos arcaísmos no resultado das urnas. Terei a chance de expor os meus motivos. Afinal, se é para ler o que todo mundo anda dizendo por aí — o jornalismo brasileiro inventou o pool noticioso e o pool de opinião!!! —, por que entrar aqui, não é? Se todos têm a dizer a mesma coisa, por que haver tantos?