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Reinaldo Azevedo

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Juiz acerta, solta PMs, bolsonariza fala e flerta com a barbárie

Magistrado acerta no mérito ao suspender preventiva de policiais do RJ, mas pisca para justiçamento: consequência dos vícios, não das virtudes, da Lava Jato

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 20 abr 2017, 06h11 - Publicado em 20 abr 2017, 00h36
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  • É asquerosa, para ser comedido, a argumentação do juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, do 3º Tribunal do Júri do Rio, para conceder a liberdade aos PMs Fábio de Barros Dias e David Gomes Centeno, do 41º BPN (Irajá). Eles foram flagrados, no dia 31 de março, executando dois traficantes em frente à Escola Municipal Jornalista e Escritor Daniel Piza, na Pavuna.

    Para lembrar: os bandidos já estavam rendidos, feridos, no chão, sem risco, aparentemente ao menos, de reação. Mas não se tem a certeza absoluta disso. Nota: no embate entre policiais e marginais, a estudante Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, foi atingida na perna e na cabeça por balas perdidas e acabou morrendo.

    Antes que continue, uma lembrança. Já recebi da Polícia Militar de São Paulo uma das mais altas honrarias concedias pela corporação: a Medalha Brigadeiro Tobias (de Aguiar). No ano passado, fui paraninfo de formatura de mais de 1.200 policiais. A PM sabe por que fui chamado para essas distinções: sou um defensor dos policiais militares que honram a sua farda. Mas jamais daqueles que executam pessoas ao arrepio da lei. Se foi o caso, gente assim depõe contra a polícia.

    A decisão e o argumento
    E não que a decisão do juiz — acatando, em tese, argumentação da promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho — seja absurda. O desastre está em seus argumentos.

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    Ao se manifestar à Justiça, a representante do MPE censurou o comportamento dos dois policiais, lembrando que mesmo a guerra conta com regras, mas observou que a prisão preventiva não cabia porque inexiste “qualquer notícia de conduta intimidadora ou fraudulenta por parte dos acusados”, porque “compareceram à Delegacia de Homicídios espontaneamente” e porque “mantiveram o local dos fatos íntegro para a análise dos peritos”.

    Em suma, ao analisar o comportamento dos policiais, a promotora não viu as razões expressas no Artigo 312 do Código de Processo Penal para manter a preventiva: a) ameaça à ordem pública; b) ameaça à ordem econômica; d) risco à instrução criminal e C) risco de não se cumprir a lei penal.

    Mais: ela lembrou que não está de todo descartada a tese da legítima defesa e que, nesse caso, a prisão preventiva não pode ser decretada. E ela tem razão.

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    Define o Artigo 314 do Código de Processo Penal:
    A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.”

    E o que estabelece o Artigo 23 do Código Penal? Isto:
    “Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:
    I – em estado de necessidade;
    II – em legítima defesa;
    III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

    Excesso punível
    Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

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    Insuportável
    Assim, a concessão da liberdade aos dois policiais, com a prisão preventiva convertida em medidas cautelares — ficarão afastados das ruas, por exemplo — encontra amparo legal. Promotora e juiz, entendo, tomaram uma decisão defensável no mérito.

    A argumentação do juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, do 3º Tribunal do Júri do Rio, no entanto, é um desastre civilizacional. Poderia ter se contentando em ancorar sua decisão no Código de Processo Penal e no Código Penal. Ele decidiu, no entanto, fazer literatura ruim e, como direi?, “bolsonarizar” o argumento, o que sempre conduz ao obscurantismo. Ao fazê-lo, contaminou a própria decisão e a avaliação do Ministério Público Estadual.

    O doutor disse ter passado horas e horas meditando, “especialmente [sobre] a voz das ruas”… Santo Deus! A voz das ruas, nesse caso, se confunde com o alarido bolsonarento nas redes sociais. E o homem ainda acrescenta, citando o desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo:
    “As relações sociais mudaram, e a magistratura precisa mudar também. O juiz moderno não pode mais ser aquela figura da ‘torre de marfim’, especialista em temas do Direito, mas insensível ao que acontece fora de seu gabinete”.

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    Tais palavras parecem justificar, deixem-me ver, os linchamentos, os justiçamentos, as punições ao arrepio da lei. Sempre que um juiz trata o arcabouço legal como “torre de marfim”, ou estamos diante de um demagogo ou de alguém que decide fazer política com as leis. A menos que o doutor esteja querendo brincar de tribuno da plebe.

    Ao contrário do que ele diz, o juiz tem é de tapar os ouvidos com cera para não ser tentado pelas sereias da demagogia.

    Reitero: a decisão que tomou tem amparo legal. Ele não precisava é ter escrito esta outra miséria:
    “O julgamento destes fatos me dá a convicção de que a decisão, seja ela qual for, será alvo de apedrejamento público. Especialistas, mesmo sem conhecer o processo, farão ‘julgamentos’, criarão ‘teses conspiratórias’, ‘insinuações’.”

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    Não sou especialista. Não conheço o processo além do que se noticiou. Mas sei reconhecer uma tese que flerta com a barbárie.

    Ele vai piorar muito os argumentos ao escrever isto:
    “A sociedade, estou consciente, está desestruturada pela guerra assimétrica enfrentada nesta ex-cidade maravilhosa. O cidadão, no final, pretende tão somente viver em paz e merece pelos altos preços que paga em todos os sentidos. Enfim! A turbulência faz parte do jogo democrático. Assim como a promotora de Justiça, aceito esse ônus da função. Afinal, em momentos de intolerância extrema, nós, juízes, acabamos alvo de toda sorte de ataques!”.

    Encerro
    Não tenho paciência com esses homens e mulheres de estado que se oferecem como mártires ou salvadores da pátria. A revogação da prisão preventiva dos policiais se justifica na combinação dos Artigos 312 e 314 do Código de Processo Penal. E ponto.

    O “conversê” do juiz é puro proselitismo obscurantista, a menos que ele ache que o Rio voltará a ser a “Cidade Maravilhosa” quando forças de segurança passarem a praticar penas de morte extrajudiciais nas ruas…

    E para aborrecer alguns para valer, como recomendaria Voltaire: o que vai na fala do juiz reproduz não os acertos da Lava Jato, mas os seus vícios.

    Todo mundo, agora, sonha em cair nos braços do povo e fazer justiça com a própria toga, como antes se fazia com as próprias mãos.

    Sinto vergonha alheia.

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