Ah, claro! Eu não entendo nada de gripe suína. Nadica! Não sou especialista. O especialista é o ministro José Gomes Temporão. Aliás, ele é bom de doença pra chuchu. Em dengue, por exemplo, é um portento. Não entendo de gripe, mas estudei alguma coisinha de matemática, gosto de lógica, costumo distinguir com razoável competência a verdade da mentira. E sei que a verdade sobre a gripe suína no Brasil é porca. E vou demonstrar, com uma calculadora na mão, por quê.
Ontem, o Brasil chegou ao topo do mundo em número de mortes por causa da doença: 557. Em óbitos por 100 mil, estamos em sétimo lugar, superados por Argentina, Chile, Costa Rica, Uruguai, Austrália e Paraguai. Ah, sim: se você cancelou a sua viagem para o México, chegou a hora de os mexicanos cancelarem sua viagem ao Brasil. A tal “Gripe Mexicana” matou 179 naquela país — 14º lugar em mortos por 100 mil. O México, vamos ser francos, a exemplo do Bananão, é meio esculhambado e pode não estar fornecendo os números reais. Mas e os números do Bananão?
Antes que continue, não custa lembrar que Lula, sempre ele, havia decretado que também a doença era uma marolinha. No dia 28 de abril, dizia o ser de luz, aquele que, segundo Marilena Chaui, ilumina o debate quando fala: “Este é um momento de cautela, um momento de prevenção. Não é um momento de fazer terrorismo com uma coisa que não chegou aqui”. Oficialmente, a primeira morte ocorreu exatos dois meses depois: 28 de junho. Cinqüenta e sete dias depois, 557 ocorrências (até ontem): média 9,77 mortes por dia.
Ainda bem que a tão odiada (por eles) “mídia” não caiu na conversa. Continuou a informar o comportamento da doença no mundo, não dando trela para a bestialógico oficial. Passar para o topo do ranking era um destino decretado pelas escolhas feitas pelos brasileiros. Certamente a informação colaborou para diminuir em muito a contaminação. Agora vamos ao que interessa.
O Brasil está no topo do ranking em números absolutos? Está. Olhando a distribuição das mortes no território nacional, tenho uma desconfiança: devemos liderar também o número de vítimas fatais por 100 mil. OS DADOS OFICIAIS PODEM NÃO SER MENTIROSOS, MAS SÃO UMA MENTIRA. Não há cientista que possa explicá-los. Basta analisar os dados para verificar que há um problema óbvio de SUBNOTIFICAÇÃO. O número de cadáveres é, com certeza, maior. Ou melhor: o número de cadáveres é certamente MUITO maior. Matemática e lógica não são praticas terroristas; são matemática e lógica apenas. Vamos lá.
Vocês sabiam que há 13 unidades da federação que não registram uma única morte em decorrência da doença? São eles: Sergipe, Ceará, Piauí, Alagoas, Mato Grosso, Tocantins, Goiás, Espírito Santo, Roraima, Acre, Amazonas, Amapá e Maranhão — nos Estados onde Sarney manda, parece que nem gripe suína prospera… Eis aí o primeiro sinal de que algo de errado está em curso. Aí aquele leitor que se apressa em discordar antes de chegar ao fim do texto logo pensa: “Pô, Reinaldo, não ter havido óbito nesses estados não quer dizer que não tenha havido a doença…” Claro, claro, leitor. Então vamos ver como se distribuem as mortes em números absolutos naqueles em que há óbitos: SP (223); PR (151), RS (98), RJ (55), SC (11), MG (8), DF (2), Paraíba (2), Bahia (2), MS (1), PE (1), RO (1), PA (1), RN (1).
Tive o capricho, como dizia meu pai, de fazer a tabela dos mortos nos Estados por 100 mil habitantes. O ranking é este (em alguns casos, precisei chegar à terceira casa depois da vírgula da desempatar):
1º – PR – 1,40
2º – RS – 0,90
3º – SP – 0,53
4º – RJ – 0,34
5º – SC – 0,17
6º – DF – 0,07
7º – RO – 0,06
8º – PB – 0,05
9º – MS – 0,04
10º – MG – 0,039
11º – RN – 0,032
12º – BA – 0,014
13º – PA – 0,013
14º – PE – 0,011
Um leitor ligado apenas ao determinismo climático diria: “Nada de estranho, Reinaldo. Nos Estados mais frios, há mais mortes porque, provavelmente, o número de contaminados é bem maior”. É, acho que é um fator a ser considerado. Mas será que só o frio explica que a gripe suína tenha matado, ATENÇÃO!, 36 VEZES MAIS NO PARANÁ DO QUE EM MINAS? Uma variação que fosse, sei lá, de uma, duas ou até três vezes parece atribuível a fatores locais: temperatura, proximidade com fronteiras etc. Os mais atilados investigariam até a qualidade da alimentação. Uma variação de quase 40 vezes? Vai ver Minas é contra o vírus, e o vírus entendeu isso.
Peguemos dois estados que não apresentam grandes variações de temperatura entre si: a minúscula Paraíba, com 3,745 milhões de habitantes, conta com duas mortes, o mesmo número da gigante Bahia, com 14,080 milhões — a população do Estado só perde para São Paulo, Minas e Rio. Pois é… Com duas mortes cada um, o vírus mata, então, 3,5 vezes mais na Paraíba do que na Bahia. Vai ver o bichinho fica com medo de Jaques Wagner. E que se note: os problemas de aglomeração urbana, um fator que contribui para a expansão da doença, são bem maiores na… Bahia!
Sigamos para o Espírito Santo, que tem o clima do Rio, com algumas praias a menos. Não dá outra. O vírus deixou 55 mortos no vizinho, mas nenhuma no Espírito Santo. Vai ver encontrou por lá um povo mais hígido, com uma sabedoria biológica superior à daquele que vive do lado de lá da fronteira. A quente Rondônia mata de gripe suína 5,5 vezes mais do que Pernambuco. Tenham paciência!
Não! Não estou responsabilizando o governo federal pela gripe suína. Mas eu estou sustentando, aí sim, que os números acima não fazem o menor sentido e que se confundiu discurso tranqüilizador com informações falsas. É evidente que o “Brasil preparado para enfrentar a gripe suína”, conforme o anunciado por Lula e Temporão, era balela. Já é o primeiro em mortes em números absolutos e o 7º na conta por 100 mil habitantes. “Ah, os outros países podem estar maquiando os seus dados”. É, podem, sim. Mas é evidente que os do Brasil também não são verdadeiros. Basta pegar uma calculadora. Basta fazer uma conta.
Consta que o número de casos tem caído. Tomara que isso, ao menos, seja verdade.