Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99

Reinaldo Azevedo

Por Blog Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
Continua após publicidade

Os verdadeiros golpistas no Egito são os que resolveram recorrer a eleições para instaurar uma ditadura. E ainda: Uma advertência para Obama na Síria

Há alguns tipos interessantes por aí. Quando a realidade demonstra que suas antevisões estavam furadas e que suas esperanças eram vãs, eles tendem a achar que a culpa é de eventuais adversários intelectuais, que estariam, então, “torcendo contra”. É o caso da Primavera Árabe, que sempre achei — e continuou a achar — uma balela […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 05h51 - Publicado em 4 jul 2013, 05h33
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Há alguns tipos interessantes por aí. Quando a realidade demonstra que suas antevisões estavam furadas e que suas esperanças eram vãs, eles tendem a achar que a culpa é de eventuais adversários intelectuais, que estariam, então, “torcendo contra”. É o caso da Primavera Árabe, que sempre achei — e continuou a achar — uma balela inventada por intelectuais e jornalistas ocidentais, alguns até de boa-fé. Eu acho que a humanidade ainda não inventou regime de governo melhor do que a democracia, mas aceito que possa haver povos, culturas e crenças que a rejeitem. Um pensador serelepe, a esta altura, tenta me dar uma estilingada antes mesmo de o texto alçar voo, quando mal move as asas: “Ora, Reinaldo, aquelas pessoas na praça, desta vez, estavam protestando justamente contra o autoritarismo islâmico”. Sim, eu sei. E, por isso, pediram e obtiveram um golpe de estado para afastar do poder os… autoritários islâmicos, que, não obstante, lá chegaram por intermédio das eleições.

    Leio o seguinte num artigo (em azul):
    “Se uma religião pretende ser estado, ainda que vá impondo paulatinamente a sua vontade (como faz o Partido da Justiça e Desenvolvimento, do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan), o que se tem, com o tempo, é uma ditadura exercida por outros meios. ‘Islâmicos, então, jamais conhecerão a democracia?’ Resposta: não enquanto forem governados por partidos… islâmicos!! “Ah, mas, havendo eleições, uma agremiação religiosa fatalmente vencerá…” Bem, meus caros, então a resposta não é dada por mim, mas pelos fatos. E, é claro!, democracia sem eleição também não existe.”

    Sim, o texto é meu, quando explodiram as revoltas na Turquia contra a progressiva islamização do país. Sempre que leio artigos em que esse país é citado como prova de que Islã e democracia são compatíveis, indago-me que diabo de democracia é essa que mete na cadeia jornalistas que são considerados opositores, que exerce uma severa patrulha sobre temas religiosos nos meios de comunicação e que vai, pouco a pouco, segregando os que não aceitam os valores impostos pela crença. Chamem aquele troço do que lhes der na telha: democracia não é. Se acato o regime turco como democrático, abro a possibilidade, então, de que um partido, no Brasil, atue como o da Justiça e Desenvolvimento , ainda que em nome de outros fundamentos e valores. Não sou do tipo que põe voluntariamente a corda no próprio pescoço. Ainda que eu soubesse dessa inevitabilidade, essa seria uma tarefa do inimigo. Com a minha concordância, não seria.

    Sim, caros, este é o paradoxo da chamada Primavera Árabe: com eleições livres, vencem partidos islâmicos — e é uma vontade da maioria! — que fatalmente transformarão o estado numa extensão da religião. Para que isso não corra, é preciso, então, que existam salvaguardas e impedimentos. Mas esses elementos de contenção e salvaguardas, vejam só!, só podem ser impostas por intermédio das Forças Armadas, que, então, têm de dizer à maioria que ela não pode tudo.

    Mubarak foi durante muito tempo a face da ditadura do Egito, mas não o ditador unipessoal do país. O que existia lá era um regime militar, que se viu na contingência de se reformar por ocasião dos protestos. Nos primeiros dias, foram para a praça contra o ex-presidente esses mesmos que agora chamaram os uniformes de volta. Depois a Irmandade Muçulmana assumiu a direção do processo, e o resto é história.

    Entendo as lágrimas de muitos, mas não verto as minhas quando um governo autoritário cai. Evidentemente, não aplaudo golpes de estado — não aplaudi nem aquele que derrubou Mubarak; ou não foi golpe aquilo? Prefiro compreender o processo. Eleições, já disse, por si, não definem um regime como democrático — há quem se atreva até a falar em “democracia iraniana”. O Irã é aquele país em que os pré-candidatos à Presidência são submetidos ao Conselho da Revolução Islâmica, formado por aiatolás, que decide quais nomes serão ou não impugnados. Tenham paciência! Democracia não é conversa de místicos.

    Continua após a publicidade

    Adversários históricos do regime de Mubarak estavam na praça pedindo a intervenção do Exército, como liberais, social-democratas e esquerdistas moderados. Os cristãos também! E nem poderia ser de outra forma. Gozavam de razoável proteção no país, podendo professar a sua religião sem perseguição — se havia, não contava com o apoio do estado. Tudo mudou depois da dita “Primavera”: igrejas passaram a ser incendiadas, as casas, saqueadas, e se multiplicaram os mortos. A “democracia diferenciada” da Irmandade Muçulmana espalhou um regime de terror entre as minorias. Surpresa? No fim de março de 2011, Duda Teixeira, da VEJA, entrevistou Esam El-Eriam, porta-voz da Irmandade Muçulmana. Prestem atenção a estas perguntas e respostas.

    (…)
    Eu e meu fotógrafo viajamos até Soul, onde uma igreja e casas de cristãos foram incendiadas. Os moradores muçulmanos nos impediram de entrar na vila, acusaram-nos de ser espiões estrangeiros e nos ameaçaram… Parece-me improvável que estivessem a serviço de americanos e israelenses.
    Se quiser, posso dar o telefone de uma pessoa na vila de Soul para acompanhá-los em segurança.

    Quem está ateando fogo às igrejas?
    O pessoal do Partido Nacional Democrático (de Mubarak), os agentes da segurança de estado e os criminosos. Estou triste porque bispos e o papa Shenouda III (da Igreja Ortodoxa Copia) apareceram em público para reclamar dos ataques apresentando-se como cristãos. Isso não é bom.

    Eles não podem declarar abertamente sua fé?
    Os cristãos devem se defender como civis, não em nome de um setor da sociedade. Somos todos egípcios.

    Comento
    Conclua-se o óbvio:
    1: a Irmandade tinha o controle do que acontecia na área em que cristãos estavam sendo perseguidos;
    2: a Irmandade acusava partidários do regime anterior, o que era escandalosamente falso;
    3: um porta-voz de uma entidade político-religiosa achava que a comunidade cristã, mesmo perseguida, não deveria se manifestar como tal.

    Continua após a publicidade

    Advertência
    É claro que isso deve servir de advertência para o encantamento basbaque de governos, de intelectuais e de jornalistas ocidentais com a dita “Primavera Árabe”. E acreditem: o que se viu no Egito é café pequeno em comparação com o que andam a fazer os “libertadores de Benghazi” na Líbia. Ali  é carnificina mesmo. Só que inexiste um Exército organizado e que se confunde com estruturas do próprio estado, como há no Egito. As forças líbias eram formadas por tribos regiamente remuneradas por Kadafi.

    É claro que é o caso de Obama se perguntar se é mesmo uma boa ideia armar os rebeldes sírios, ainda que Bashar Al Assad seja um carniceiro. Ocorre que, do outro lado, estão, por exemplo, jihadistas e membros da Al Qaeda. Em que dará a “Primavera Síria”? E que se note: as forças regulares de segurança do país são formadas, na sua maioria, de alauítas, a minoria religiosa a que pertence Assad. Um golpe só não o derrubou ainda por isso. Se e quando os rebeldes, coalhados de grupos terroristas, tomarem o poder no país, sabe-se lá o que virá.

    Caminhando para o encerramento
    Os fatos no Egito não estão a estimular o suposto preconceito de que Islã e democracia são incompatíveis. Mohamed Mursi não foi deposto porque é islâmico. É o contrário: porque pertence a um partido islâmico, não conseguiu ser governo. A razão é simples: o programa que ele tem busca satisfazer os anseios e as utopias da Irmandade Muçulmana. E que se registre: ela conseguiu destruir o que havia de estado funcional no Egito — que já era uma lástima. Os “irmãos” tomaram conta dos postos-chave do estado, e a burocracia entrou em colapso.

    Os militares não puseram fim à “Primavera Democrática”. Isso é uma aberração. Puseram fim a um governo que ousou recorrer às regras da democracia para instaurar uma ditadura religiosa. Em que vai dar? Não sei. Depende agora do que fará a Irmandade Muçulmana. Só não venham me apresentar Mursi e sua turma como heróis do regime democrático, defenestrados por militares malvados. Aqueles milhões na praça a aplaudir o Exército como herói da libertação devem querer dizer alguma coisa.

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.