Eu poderia deixar pra lá, mas não deixo, não. Nos limites da lei, a Polícia Federal e o Ministério Público façam o que acharem melhor. Entre os atingidos pela tal “Operação Politeia”, um braço da Lava Jato, está gente que já me processou e perdeu — como é o caso de Fernando Collor. Que se faça Justiça, uma das virtudes da cidade ideal, segundo afirma Sócrates no diálogo “A República”, de Platão. As outras são coragem, sabedoria, concórdia e temperança. A justiça também é uma das qualidades do filósofo.
Ok. Dados os limites, insisto, das leis democraticamente pactuadas, PF e MPF façam o seu trabalho. A imprensa só não deveria tomar aula de filosofia com eles. Já escrevi aqui que os nomes das operações da Polícia Federal e suas respectivas fases estão a merecer uma tese de doutorado. De algum modo, elas expõem as, vamos dizer, fantasias dos policias e procuradores.
Leio agora em todo canto que “Politeia” faz uma referência ao diálogo “A República”, de Platão, em que Sócrates e convivas fazem digressões sobre a cidade ideal, que seria fundada, leio em algum lugar, na ética e na Justiça. Opa! Aí não!
Tenho “A República” aqui, bem na minha frente. Posso assegurar que o lugar na Terra que mais se assemelha à “politeia” platônica, hoje em dia, é a Coreia do Norte. Ninguém iria querer viver lá. Kim jong-un, o gordinho tarado, sente-se o próprio filósofo, alçado à condição de tirano, a governar acima das paixões mundanas.
Não vou aqui fazer uma leitura descontextualizada do diálogo platônico, tomando como literal o que lá vai — e dispenso-me até de lembrar que às mulheres, na República platônica, cabia o papel de máquinas reprodutoras. E só. Ou que as decisões se concentravam nas mãos dos que haviam atingido a sabedoria, estes os únicos e verdadeiros cidadãos.
Ninguém produz acima de seu tempo, claro!, e as minudências esclarecem pouca coisa. Mas, sob qualquer ponto de vista que se queira, “A República” — a “Politeia” platônica — serve como fonte inspiradora de regimes totalitários. À diferença do que andei lendo em sites por aí, nada tem a ver com “democracia”. Ao contrário: “A República” é uma obra contra a democracia — a daquele tempo! —, porque não era um regime que privilegiava os melhores e que dava curso às paixões mesquinhas.
Quero, sim, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal no encalço de bandidos, respeitadas as regras do Estado de Direito. Mas não dando aula de história ou filosofia. Ainda acho que os jornalistas podem achar fontes mais abalizadas para tanto.
O próprio livro de referência e uma boa dica. Na minha edição, e é uma das melhores disponíveis, leio que “O dom de aprender com facilidade, memória, agudeza e prontidão do espírito” são incompatíveis “com a energia e a grandeza de alma” capazes de fazer um homem levar uma vida sóbria. O que lhes parece?
Essas operações poderiam é não ter apelido nenhum. Elas têm é de ser eficientes. Não se trata de um trabalho de marketing. Mas, se não se abrir mão disso, que, então, se escolham nomes mais precisos.