Eu teria adorado saber, antes, que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, foi um próspero negociante de carne enlatada na década de 80. Ele exibiu a parlamentares dois passaportes antigos com mais de 60 carimbos — 37 deles no prazo de dois anos — que atestariam o que parece ser a venda frenética do produto. Boa parte deles é da antiga República do Zaire, hoje República Democrática do Congo, e da República do Congo — que é outro país.
Assim, o dinheiro que o parlamentar tem no exterior seria derivado dessa intensa atividade e de investimentos no mercado financeiro — e, pois, assim se provaria que não tem origem em nenhuma safadeza do petrolão. Huuummm…
Quem, nesse vasto mundo, sabia dessa atividade pregressa de Cunha? Posso assegurar que, até esta terça-feira, praticamente ninguém.
O que chama atenção desde logo é a razão da demora. Por que o presidente da Câmara não apresentou antes essas explicações? Mas não é só isso: por que ele negou a existência das contas? Por que as autoridades brasileiras não sabiam? Ainda que tudo fosse verdade, a omissão é compatível com quem ocupa o terceiro cargo na hierarquia do Poder da República? A pergunta é meramente retórica porque a resposta, obviamente, é “não”.
Cunha se reuniu com líderes de vários partidos — ausentes os do PT, PSOL, Rede e PPS — e apresentou as suas, digamos, provas. Paulinho da Força (SDD), hoje o principal “cunhista” da Câmara, se entusiasmou e acha que agora está tudo resolvido. E emendou: “Nós defendemos ele porque queremos derrubar a Dilma”. Bem, ainda que assim fosse, a explicação seria fraca. De resto, quem disse que é realmente isso o que quer Cunha hoje em dia?
Paulinho, diga-se, vai substituir Wladimir Costa (SDD-PA) no Conselho de Ética. Este alegou motivo de saúde para se afastar. De fato, ninguém ignora o óbvio: Paulinho, que manda na legenda, tomou o seu lugar para votar a favor de Cunha.
Filho de ex-deputado nega
Outra das justificativas inverossímeis na qual Cunha estava navegando foi posta ainda mais sob suspeição. Vamos ver. O lobista João Augusto Henriques havia dito que depositara, a mando do economista Felipe Diniz, 1,3 milhão de francos suíços numa conta no exterior, que ele nem sabia ser de Cunha, o que só teria descoberto mais tarde.
O deputado não negou — até porque o dinheiro está lá, bloqueado — e afirmou que se tratava do pagamento de um empréstimo de US$ 1 milhão que ele havia feito ao pai de Felipe em 2009, o então deputado federal Fernando Diniz (PMDB-MG), morto naquele mesmo ano. Cunha disse que nem mesmo sabia do depósito.
Pois é… Ocorre que, em depoimento à Procuradoria-Geral da República prestado no último dia 20, Felipe negou que tenha mandado fazer o depósito e disse ignorar que seu pai tivesse pedido o empréstimo.
Convenham: o conjunto da obra tem um excesso de versões e de inverossimilhanças. Não sei se Cunha consegue convencer alguém com isso. Se eu fosse do Conselho de Ética, votaria pela continuidade do processo. Se fosse deputado, votaria pela cassação.
E, ora vejam!, reconheço o excelente trabalho que ele fez na Câmara e acho, sim, que Rodrigo Janot presta um serviço ao Planalto e ao PT ao transformá-lo naquilo que ele não é: o principal implicado nas lambanças do petrolão.
Ocorre que, assim como a instituição da Presidência da República não pode abrigar as agressões de Dilma à Lei 1.079 e à Constituição, não pode condescender com o que fez Cunha. Ainda que toda a sua riqueza tenha mesmo vindo da venda de carne enlatada e de investimento no mercado financeiro, o terceiro homem na hierarquia do país está proibido de omitir das autoridades contas que mantém fora do Brasil.
Fim de papo.