A evolução do setor de telefonia é destaque no especial de 50 anos da edição de VEJA que vai às bancas nesta sexta-feira. Nas páginas da revista, foram documentadas a falta de qualidade do serviço no Brasil nos anos 60, a privatização nacional no fim dos anos 90 e a evolução tecnológica que superou as expectativas mundiais com o lançamento do iPhone, em 2007.
A reportagem de 25 de junho de 1969 é curiosíssima. E hoje quase imaginável para um mundo no qual a facilidade das ligações já foi superada por ferramentas de comunicação ainda mais versáteis que o uso das linhas telefônicas. Começa assim o texto de 49 anos atrás:
“Num domingo, dia 25 de junho de 1976, o imperador Pedro II visitava uma feira de invenções em Filadélfia, Estados Unidos. Já era o fim da tarde e os juízes queriam deixar para a manhã seguinte o exame do estranho objeto criado por um inglês chamado Alexander Graham Bell (depois ele se naturalizou americano). Por insistência do imperador do Brasil, concordaram em apreciar o invento imediatamente. Dom Pedro foi o primeiro a colocar uma das partes da máquina no ouvido para examiná-la, como Bell pedia. Ouviu uma voz, fraca mas nítida, que vinha de quilômetros de distância. “Meu Deus, isto fala”, disse Dom Pedro. Atualmente, no horário comercial, em quase todas as capitais brasileiras, o telefone não tem a característica que seduziu Dom Pedro: quase não fala. No bairro central do Recife, uma rede com capacidade para oitocentas ligações simultâneas recebe normalmente 6 000 e deixa 5 200 pessoas esperando mais de vinte minutos por uma linha. Em Curitiba, no mesmo horário e também no centro, uma espera média de trinta minutos para cada chamada contradiz a todo instante o cartaz da Companhia de Telecomunicações do Paraná, que continua anunciando o imperturbável: ‘O telefone é o empregado mais eficiente que existe’.”
A continuação é melhor ainda, citando um levantamento recente. “Numa pesquisa de dois meses atrás, o Jornal do Brasil constatou que é mais rápido levar uma mensagem de avião entre o Rio e as outras capitais brasileiras do que falar com elas por telefone.”
Entre as coisas fascinantes de consultar edições antigas da imprensa está tentar imaginar como as pessoas daquele período viviam sabendo de detalhes como os apresentados por esta reportagem. Um exemplo é o de que, em 1969, apenas 1,7% da população tinha acesso aos aparelhos telefônicos.
A matéria explica que vários fatores contribuíam para o fiasco do telefone nacional. Faltava investimentos na rede da Companhia Telefônica Brasileira, que tinha dois terços das linhas do país, e o sistema de autofinanciamento que sustentava as empresas do setor também prejudicava os clientes: as companhias cobravam alto pelas linhas para, utilizando o dinheiro pago pelos consumidores, investirem em melhorias. E isso tudo tornava a evolução mais lenta do que a desejável.
O último parágrafo é antológico, e inimaginável hoje em dia, aberto com a seguinte pergunta: “Será que é amplamente justificada esta confiança cega no progresso dos estranhos objetos eletrônicos?” E seguia detalhando a “ameaça”. “Na Inglaterra, país com 22 telefones por cem habitantes, grupos de vândalos enfurecidos contra a técnica, e o telefone particularmente, quebram cerca de 20 000 cabinas telefônicas por ano. Na França, com catorze aparelhos por cem pessoas, estas máquinas terríveis foram um dos temas importantes das última disputa eleitoral: os dois candidatos prometiam uma solução nacional para o problema dos telefones, que teria atingido o nível da tragédia. Na África do Sul (7,1 telefones por cem habitantes), o telefone foi eleito o inimigo público número 1.
São indícios de que o Brasil deve preparar-se para ter mais telefones — e também para enfrentar as consequências da invasão de novas hordas desses diabólicos monstros negros.”
Boa parte desses problemas foram sanados com a evolução tecnológica e com novos investimentos, mas o fato de o setor no Brasil depender de uma empresa estatal, a Telebrás, mais lenta que todos os avanços, só foi sanado 29 anos depois. A privatização mereceu capa em 29 de julho de 1998, na edição 1.557.
A Telebrás foi definida como “a estatal que demora mais de dois anos para entregar os telefones que vende”. O serviço prestado pela empresa resumia-se, segundo VEJA, à lógica de que “o consumidor finge que está pagando por um serviço que vai receber e o funcionário finge que está recebendo por um serviço que vai entregar”. “Como na prática todo mundo sempre soube que a instalação ia levar anos, quem pôde adotou uma saída alternativa. Alguns alugaram uma linha, pagando mensalidades quase tão altas quanto a taxa do condomínio. Outros compraram a sua linha no mercado paralelo, a prazo, bancando o equivalente a um segundo telefone a título de juros (…) O resultado é que um telefone já entregue passou a valer ouro. Em 1995, a empresa telefônica de São Paulo, a Telesp, vendia uma linha residencial por 970 reais. Como não havia oferta, quem quisesse um telefone tinha de pagar mais de 4.000 reais no mercado paralelo. Em alguns bairros da periferia paulistana, o telefone no paralelo saía por 9.000 reais.”
Nada como uma comparação histórica. Se em 1969 a revista contava que no centro de Recife quase metade das ligações não eram completadas, em 1998 mostrava que “nos dois grandes centros urbanos brasileiros, São Paulo e Rio de Janeiro, esse índice às vezes passa de 30%”. Melhorou, mas era muito pouco. O padrão internacional há 20 anos aceitava, segundo diz o texto da publicação, que até 6% das chamadas não fossem completadas em horários de pico.
Outros números trazidos por VEJA em 1998: “Há 17 milhões de telefones fixos atualmente. O número crescerá para 50 milhões até 2007. Assim, um terço dos brasileiros terá telefone em casa ou na loja dentro de nove anos. Esse índice, de trinta telefones para cada grupo de 100 habitantes, aproxima o Brasil dos níveis internacionais. O prazo de espera para a instalação do telefone cairá dos dois anos atuais para apenas uma semana em 2005″. Na época, ‘81% dos telefones residenciais estão nas mãos de 16% mais ricos. E os 57% mais pobres dividem apenas 2% dos telefones”.
Nove anos depois, na edição de 17 de janeiro de 2007, VEJA mostrou, in loco, no lançamento do primeiro iPhone, da Apple, que o setor de telefonia havia atingido um nível inimaginável até para os mais talentosos e criativos roteiristas de 1969 ou 1998. Em alguns trechos, algumas das inovações apresentadas pelo aparelho:
“O iPhone reinventa a relação homem-máquina. O aparelho não tem teclas. Os dedos comandam as operações ao encostar ou apenas deslizar sobre uma tela de 3, 5 polegadas (8, 8 centímetros) sensível ao toque.”
“Para procurar uma música no aparelho, basta entrar no arquivo de canções e deslizar o dedo sobre a tela. As capas dos discos desfilam pelo visor. Com um novo toque sobre o CD escolhido, o aparelho exibe a lista de canções daquele disco.”
“Ao movimentar o iPhone da vertical para a horizontal, a imagem que está na tela automaticamente se acomoda à nova posição. Fica no formato “paisagem”, como em uma TV. A mudança é feita por um sensor de movimento.”
“As imagens dos sites de internet podem ser ampliadas com dois toques do dedo na tela. A leitura das páginas é feita na vertical ou na horizontal.”
“O indicador e o polegar em pinça tocam a tela e se separam. Esse movimento amplia a imagem automaticamente. Para centralizar a foto basta deslizar o dedo pela tela.”