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Vale a pena ler de novo o que saiu nas páginas de VEJA em quase cinco décadas de história
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Há dez anos, a primeira queda do chavismo

Nas urnas, venezuelanos rejeitaram reforma constitucional pretendida por Chávez. Oposição ganhou, mas não levou: por outros meios, regime manteria seu curso

Por Da redação
Atualizado em 11 ago 2017, 23h30 - Publicado em 11 ago 2017, 23h30
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  • VEJA de 7 de novembro de 2007
    VEJA de 7 de novembro de 2007 (Reprodução/VEJA)

    Em 2007, o presidente venezuelano Hugo Chávez também tentou, como agora seu herdeiro Nicolás Maduro, uma ampla reforma constitucional que consolidasse de vez o regime autoritário e personalista que liderava. Nas urnas, contudo, a proposta foi batida: pela primeira vez os eleitores disseram não ao caudilho. A vitória revitalizou a oposição, já à época perseguida pelo regime. Mas não bastou para livrar o país do desastre bolivariano: nos anos seguintes, contando com a subserviência de parlamentares e juízes, Chávez conseguiria emplacar por decreto as mudanças rejeitadas pelos eleitores.

    Já se reconheciam então os nítidos traços ditatoriais do ‘socialismo do século XXI’, como VEJA mostrou, direto de Caracas, pouco antes do referendo de 2007. “Para quem não tem a memória pessoal de ter vivido sob uma ditadura, ouvir depoimentos de venezuelanos é uma experiência educativa – e sufocante. O regime que o presidente Hugo Chávez está construindo na Venezuela não apenas é autoritário como se propõe a criar uma nação à imagem e semelhança de seu governante. Nesse ponto, distante de ser a promessa de novidades ‘século XXI’, como proclama, Chávez é fiel à tradição caudilhesca do continente”, observava a reportagem de capa.

    O coronel já governava a Venezuela havia oito anos, ao longo dos quais conduzira o país por três fases. “Na primeira, um ano depois de eleito, quando o preço do petróleo andava baixo, ele tratou de aprovar uma nova Constituição, escrita por ele próprio, que lhe permitiu colonizar com aliados a Suprema Corte, removendo esse obstáculo à sua pretensão de governar acima das instituições e da lei. O início da escalada no preço do petróleo permitiu a segunda fase, caracterizada pela invenção da ‘revolução bolivariana’. Até hoje mal definida ideologicamente, essa expressão se traduziu na prática pela expansão do clientelismo político. Chávez criou as misiones, programas assistencialistas que estabeleceram uma dependência concreta entre a população pobre e a figura onipresente do pai da pátria. As misiones, que incluem desde cooperativas até a alfabetização de adultos, são vinculadas diretamente a Chávez e consistem basicamente em uma fórmula para distribuir pequenas quantias de dinheiro aos participantes. Para sustentar esses programas, o presidente apropria-se das reservas internacionais do país e de um fundo formado por parte do lucro da PDVSA, a estatal do petróleo. Essa despesa não necessita da aprovação da Assembléia Nacional. A terceira fase do governo chavista começou dois anos atrás, com o anúncio de que seu objetivo era a construção do ‘socialismo do século XXI’. O elemento ideológico mais evidente desse conceito é o desejo de Chávez de concentrar o poder em suas mãos pelo maior tempo possível.”

    VEJA colheu então histórias de dez venezuelanos cuja vida foi transformada pelo chavismo: “Elas comprovam que é impossível ficar imune a um regime como o de Chávez, um prepotente disposto a impor a sua visão de mundo a qualquer custo. Mesmo quem aufere os benefícios da adesão ao ditador torna-se prisioneiro de um esquema que exige submissão absoluta e provas freqüentes de fidelidade. Sobre os que discordam do governo, recai o peso do poder do aparato oficial, que corta o crédito dos empresários, proíbe os órgãos públicos de contratar oposicionistas e pressiona a iniciativa privada a fazer o mesmo, e chega ao extremo de, à moda soviética, punir os filhos pelas posições políticas dos pais.”

    Releia abaixo as dez histórias publicadas na edição de 07/11/2007:

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    A ATRIZ DE NOVELAS OUSOU PROTESTAR…

    Atriz de sucesso e candidata ao Miss Venezuela de 1994, Fabiola Colmenares acaba de descobrir que a beleza e a fama não garantem imunidade à perseguição ideológica do governo chavista. No fim de outubro, quando se preparava para estrear sua 15ª novela, a atriz foi sumariamente demitida pela Venevisión, emissora na qual trabalhava havia catorze anos. Não foi feito segredo sobre o motivo: ela foi punida por ter participado de protestos contra a reforma constitucional. “O país mudou muito com o governo Chávez. Qualquer pessoa que discorde dele é imediatamente discriminada e desqualificada”, diz a atriz de 33 anos.

    OS SERVOS FIÉIS DA REVOLUÇÃO

    Talvez o mais vistoso programa social do governo Chávez seja a universidade bolivariana. Nela, o regime espera formar a próxima geração de líderes chavistas. Os alunos são jovens pobres que dificilmente teriam a possibilidade de estudar em uma boa universidade, ainda que pública. O estudante de direito Erick Morales, 19 anos, é filho de um mecânico e de uma escriturária. Ele recebe uma bolsa equivalente a 300 reais mensais para continuar estudando. “Olhe no rosto dos estudantes das universidades tradicionais e você verá descendentes de espanhóis, portugueses e italianos”, diz Erick. “Eles formam um grupo minoritário que quer manter seus privilégios, numa luta de classes contra nós, jovens mestiços.” Para Erick, o grande mérito de Chávez é ter usado a renda do petróleo para ajudar os pobres.

    EXPULSO DA PRÓPRIA EMPRESA

    Rafael Alfonzo Hernández é herdeiro de uma das maiores indústrias de alimentos da Venezuela, a Alfonzo Rivas. Em 2002, ele apoiou a greve geral que quase levou à queda de Chávez e, no mesmo ano, participou das negociações montadas para colocar panos quentes na tensa relação entre empresários e governo. Sua identificação como oposicionista se tornou uma ameaça à sobrevivência da empresa. Em 2003, Hernández foi forçado a deixar a presidência do grupo industrial fundado por seu avô. Hoje, ele é membro de uma ONG de pesquisas econômicas. “A prioridade do empresário é a sobrevivência imediata de seu negócio. Não há mais estratégias a longo prazo, e um dia o país vai pagar caro por isso”, diz Hernández.

    O PAI FEZ GREVE, A FILHA É PUNIDA

    O governo Chávez dividiu a família de Angela Beatriz Sposito Falcón, 20 anos, estudante de psicologia na Universidade Central da Venezuela. Seu pai foi demitido da PDVSA, a estatal do petróleo, depois da greve de 2002. Sem conseguir emprego e ameaçado de prisão, ele exilou-se nos Estados Unidos. Com o pai fora de alcance, o regime chavista vinga-se na filha, que só tinha 15 anos quando ocorreu a greve. “Não posso trabalhar no governo, e meu pedido de bolsa de iniciação científica foi negado porque meu pai está na lista negra de Chávez”, conta Angela. Ao solicitar uma bolsa de estudos, o estudante preenche um formulário oficial com perguntas ideológicas. Qualquer restrição ao governo Chávez é motivo para desqualificação. “Com este governo, eu não vejo futuro para mim no meu país”, diz Angela.

    O EMPRESÁRIO AMIGO VAI BEM, OBRIGADO

    Nos últimos quatro anos, as importações venezuelanas cresceram 200%. Para aproveitar a explosão de consumo, um empresário precisa da boa vontade do governo para obter dólares. Os negócios de Majed Khalil, cuja família é dona de uma indústria de pescado enlatado e de uma importadora de produtos eletrônicos, vão muito bem. Em seu escritório em Caracas, Khalil mantém fotos suas com o presidente Chávez e uma biografia em quatro volumes de Simon Bolívar. “Não é verdade que o governo está contra o empresário”, diz. “Vejo justamente o contrário. As regras do jogo são claras, e Chávez tem nos chamado a trabalhar com ele.”

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    NO MUNDO DE FAZ-DE-CONTA DO CONGELAMENTO

    Trinta e cinco por cento do volume de vendas dos supermercados corresponde a mercadorias com preços congelados pelo governo. Apesar da inflação de dois dígitos, alguns itens básicos estão sem reajuste há três anos. O resultado inevitável são o desabastecimento e filas quilométricas nas lojas estatais, que vendem artigos básicos a preços subsidiados. “Quando recebemos leite, só podemos vender 1 litro por pessoa”, diz José de Souza, dono de uma cadeia de supermercados em Caracas. “O pernil de porco, que pela tabela deve ser vendido a 4 000 bolívares, só é encontrado no mercado negro por 30 000 bolívares”, exemplifica Souza. Para não vender com prejuízo, o supermercado processa a carne para transformá-la em produto que escape ao tabelamento. O pernil de porco pode ser defumado, por exemplo, e assim vendido com lucro.

    EDUCAÇÃO FORA DO TOM

    O colégio Emil Friedman, de Caracas, é reconhecido pela ênfase no ensino de artes. Com a média de um professor de música para cada grupo de doze alunos, a escola mantém duas orquestras. Até os figurões do governo chavista preferem matricular os filhos nessa instituição. Esse centro de excelência está agora ameaçado pelo Sistema Educativo Bolivariano, criado pelo presidente para formar alunos com “idéias revolucionárias”. As escolas que não se adequarem ao novo currículo correm o risco de perder a licença de funcionamento e de ser expropriadas. “Este governo parece acreditar que, controlando a educação, conseguirá criar uma massa acrítica, capaz de aceitar todas as medidas de Chávez”, diz Pablo Argüello, diretor do Emil Friedman.

    NO SERVIÇO PÚBLICO, SÓ DE CAMISA VERMELHA

    Uma das obrigações do funcionalismo público na Venezuela é atuar como cabo eleitoral de Hugo Chávez. Quem não aceita esse papel é punido. A engenheira Magris Tovar Hiller, 30 anos, trabalhou durante um ano e meio na Fundação Viviendas, da prefeitura central de Caracas, até se recusar a vestir a camisa vermelha do chavismo. “Fui demitida em 2005 por me negar a sair às ruas em manifestações a favor de Chávez”, conta Magris. Seu emprego seguinte foi em empreiteiras com contratos governamentais. Dessa vez foi ela que pediu demissão, escandalizada com a corrupção existente entre empreiteiras e funcionários chavistas. Hoje, Magris trabalha numa construtora que não aceita obras públicas.

    SEM DIREITO A VOZ

    Processar jornalistas é uma das estratégias adotadas pelo regime chavista para calar a oposição. “Como não há independência de poderes na Venezuela e o governo também controla os juízes, somos submetidos a verdadeiros julgamentos kafkianos”, diz Marianella Salazar, radialista e colunista do jornal El Nacional. Ela corre o risco de acabar na cadeia por ter denunciado planos governamentais de se equipar para a guerra eletrônica. Devido às ameaças de morte feitas por militantes chavistas, há cinco anos Marianella não sai sem sua escolta de guarda-costas.

    DENGUE TRATADA COM ASPIRINA

    Hugo Chávez criou um sistema de saúde paralelo, chamado Misión Barrio Adentro, feito com médicos emprestados pelo governo cubano e financiado com dinheiro do petróleo. “Os médicos cubanos nem sequer têm o diploma reconhecido no nosso país, e, ainda assim, seu piso salarial é 30% mais alto que o nosso”, diz Teresa Milagros, 28 anos, médica-residente em um hospital público de Caracas. “As conseqüências são sérias, pois os cubanos erram nos diagnósticos e os pacientes acabam recorrendo aos hospitais tradicionais, sobrecarregando o sistema de saúde.” Teresa já atendeu um paciente com dengue que tinha sido medicado com aspirina por um médico da Misión Barrio Adentro. Chávez não vê com bons olhos as clínicas privadas. Ele ameaça nacionalizá-las e chama os seus donos de “mercenários”.

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