A falta de freio e de responsabilidade do ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, vem de família. Seu pai, Kim Jong-Il, tinha atitudes tão destemperadas quanto o filho. Na reportagem A Bomba na Mão de Insanos, de 3 de junho de 2009, VEJA mostrou que, também naquela época, o mundo acompanhava com receio os passos norte-coreanos.
Numa queda de braço com o Ocidente, Jong-Il havia feito, dias antes, um teste nuclear inesperado “numa região montanhosa e inóspita no nordeste do país”. A mostra de força “reverberou como a confirmação de que a proliferação nuclear atingiu o patamar a partir do qual o perigo é imediato e urgente”.
“A posse de um artefato atômico por um país isolado e pobre demonstra que o desenvolvimento desse tipo de armamento está ao alcance de qualquer nação disposta a investir os recursos necessários para fazê-lo. Se países miseráveis e com governos frágeis se armam com átomos, não está distante o momento em que o gatilho atômico cairá na mão do terrorismo”, alertava a revista.
No texto de oito anos atrás, o líder norte-coreano mostrava que deixou como herança ao filho não só a maluquice, mas também um gosto peculiar nas roupas e no comportamento. “O ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-Il, é uma figurinha ridícula, que usa sapatos com salto plataforma para compensar a baixa estatura e um topete ouriçado no estilo de Elvis Presley”, dizia a reportagem.
King Jong-Il morreu em dezembro de 2011, de um ataque cardíaco, sendo sucedido pelo filho, Jong-un, que se esforça para ser o mais insano da família.
O pai não explodiu o mundo, mas o filho manteve as ameaças. A Coreia do Norte anunciou no início deste mês seu sexto e maior teste nuclear em sua história. De acordo com as autoridades locais, foi a primeira vez que o país obteve sucesso no teste de uma bomba de hidrogênio que pode ser instalada em um míssil balístico de longo alcance.
Irã também fez ameaças
A Coreia do Norte não é o único país que ameaça os Estados Unidos e todo o mundo. Em 19 de abril de 2006, na reportagem O Perigo do Aiatolá Atômico, VEJA mostrou que o Irã insistiu no desenvolvimento da bomba atômica e por pouco não levou os americanos a uma intervenção militar.
“O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, contrariando um ultimato do Conselho de Segurança das Nações Unidas, insiste em avançar em um programa nuclear com fins obscuros e mantê-lo longe dos olhos dos inspetores internacionais. Já o governo de George W. Bush vê minguar suas tentativas diplomáticas de fazer o Irã colaborar e, ao menos nos corredores da Casa Branca e do Pentágono, já começa a discutir seriamente a possibilidade de uma ação militar.”
Leia alguns trechos da reportagem de 3 de março de 2009:
Terá chegado o momento de sentir saudade da segurança relativa da Guerra Fria? Naquele tempo sombrio, q uando a humanidade segurava o fôlego diante da ameaça de aniquilação, pelo menos era possível acreditar que o gatilho nuclear estava em mãos inimigas responsáveis. O cenário atual é mais incerto e mais perigoso. Os dois únicos testes nucleares deste século foram realizados pela Coreia do Norte, uma ditadura tão enigmática quanto insana. O segundo deles, na segunda-feira passada, numa região montanhosa e inóspita no nordeste do país, reverberou como a confirmação de que a proliferação nuclear atingiu o patamar a partir do qual o perigo é imediato e urgente. Dois fatos principais justificam o alarme. A posse de um artefato atômico por um país isolado e pobre demonstra que o desenvolvimento desse tipo de armamento está ao alcance de qualquer nação disposta a investir os recursos necessários para fazê-lo. Se países miseráveis e com governos frágeis se armam com átomos, não está distante o momento em que o gatilho atômico cairá na mão do terrorismo. Um estudo da Universidade Stanford estimou a probabilidade de um ataque terrorista com o uso de bombas sujas (ou seja, explosivos comuns misturados a material radioativo) em 20%. Com bombas nucleares, cai para 1%. Qualquer estimativa acima de zero é um pesadelo quando se fala da combinação de terroristas e plutônio.
O mais notável fenômeno da era nuclear talvez seja o fato de que desde o ataque a Hiroshima e Nagasaki, em 1945, o último ano da II Guerra Mundial, nenhum país ousou detonar uma bomba atômica em combate. Os Estados Unidos tiveram o monopólio do átomo entre 1945 e 1949, mas não o usaram contra a União Soviética, apesar das provocações de Stalin. Também poderiam ter empregado esse recurso no Vietnã, onde a tonelagem de explosivos convencionais lançados equivaleu a dúzias de bombas como a de Hiroshima. Armas nucleares não foram usadas nem em situações desesperadas. A Casa Branca rejeitou os apelos nesse sentido do general Douglas MacArthur, que se viu impotente diante do avanço das divisões chinesas na Guerra da Coreia. O conflito terminou em 1953 no impasse que ainda hoje divide a península coreana entre dois inimigos mortais. É complicado explicar um evento que não ocorreu, mas é comum ouvir que o temor da aniquilação mútua conteve os ímpetos guerreiros dos Estados Unidos e da União Soviética. Porém isso não explica o comedimento em circunstâncias nas quais não havia o temor de retaliação, caso dos soviéticos no Afeganistão e dos americanos no Iraque.
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O comunismo produziu um governo dinástico que tem mais a ver com os reis coreanos do passado do que com os ensinamentos de Marx e Lenin. Até a boa vontade divina para com o delfim é realçada na versão oficial deque Kim Jong-Il nasceu nas encostas do sagrado Monte Paektu e seu nascimento foi saudado por um duplo arco-íris. Na realidade, ele nasceu em um acampamento militar na Rússia, quando seu pai comandava o batalhão coreano do Exército Vermelho. O regime está inquieto com asucessão – e talvez seja essa a razão de tanto rebuliço. O filho mais velho, Kim Jong-nam, de 38 anos, seria o candidato natural à sucessão, mas perdeu a vez depois do vexame de ser preso com passaporte falso no Japão, onde pretendia visitar a Disneylândia, em 2001. Também atrapalha sua presença assídua nos cassinos de Macau. O segundo, Kim Jong-chol, não conta. É homossexual e prefere assistir a um concerto de Eric Clapton na Alemanha ao tédio de um desfile militar. O favorito do ditador é o filho caçula, Kim Jong-un, de 26 anos. Educado na Suíça, fala diversas línguas, adora artes marciais e, dizem, tem a cara e o temperamento do pai: é prepotente, não gosta de ser questionado e se enfurece facilmente. É nasmãos desse jovem desconhecido que pode estar a bomba nuclear.
A possibilidade de a Coreia do Norte desfechar um ataque nuclear contra seja lá quem for é pequena. Em parte, porque sabe que, mesmo que arrase Seul, que está a apenas 40 quilômetros de distância, não escaparia de ser igualmente devastada. Há também que considerar que o desenvolvimento de seus artefatos bélicos está em estágio primitivo. Os dois dispositivos testados possuem mais de 3 metros de comprimento e pesam 4 toneladas. Com tais medidas, seria impossível colocá-los na ponta de um míssil. “Os dispositivos coreanos são grandes e rudimentares e não podem ser transportados nem mesmo a bordo de um avião”, disse a VEJA o americano Rodger Baker, analista da Stratfor, uma consultoria de geopolítica com sede nos Estados Unidos. Estima-se que o artefato testado na semana passada tenha um poder de destruição de 4 quilotons, ou 4 000 toneladas de dinamite. A capacidade é menor do que a da bomba lançada pelos americanos sobre a cidade japonesa de Hiroshima, de 17 quilotons, mas dez vezes superior àquela testada pelos norte-coreanos em 2006.