O tríplex do Guarujá e o festival de propinas do petrolão
Reportagem de abril de 2015 revelou favores prestados por empreiteiro ao petista
A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de prisão, em sentença proferida pelo juiz Sergio Moro, remonta a um furo de VEJA de 29 de abril 2015, como lembra a Carta ao Leitor da edição desta semana. A reportagem assinada por Robson Bonin estabeleceu pela primeira vez, mais de dois anos atrás, a conexão entre o tríplex do Guarujá e o escândalo da Petrobras.
Preso havia seis meses, o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro admitia pela primeira vez a intenção de fazer acordo de delação premiada. “De todos os empresários presos na Operação Lava-Jato, Léo Pinheiro é o único que se define como simpatizante do PT. O empreiteiro conheceu Lula ainda nos tempos de sindicalismo, contribuiu para suas primeiras campanhas e tornou-se um de seus mais íntimos amigos no poder”, informava a reportagem. “Culto, carismático e apreciador de boas bebidas, ele integrava um restrito grupo de pessoas que tinham acesso irrestrito ao Palácio do Planalto e ao Palácio da Alvorada. Era levado ao ‘chefe’, como ele se referia a Lula, sempre que desejava. Não passava mais do que duas semanas sem manter contato com o presidente. Eles falavam sobre economia, futebol, pescaria e os rumos do país. Com o tempo, essa relação evoluiu para o patamar da extrema confiança – a ponto de Lula, ainda exercendo a Presidência e depois de deixá-la, recorrer ao amigo para se aconselhar sobre a melhor maneira de enfrentar determinados problemas pessoais. Como é da natureza do capitalismo de estado brasileiro, as relações amigáveis são ancoradas em interesses mútuos. Pinheiro se orgulhava de jamais dizer não aos pedidos de Lula.”
Com base no conteúdo de suas anotações, a reportagem apontou favores prestados pelo empreiteiro preso no petrolão ao petista, entre eles a reforma de um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, que ainda pode leva a outra ação penal contra Lula, e o famigerado apartamento no litoral. “De acordo com o relato do ex-presidente da OAS, foi a pedido de Lula que a empreiteira incorporou obras inacabadas da Bancoop, a cooperativa ligada ao PT que faliu e deu prejuízo a mais de 3 000 mutuários. Entre as obras assumidas pela empreiteira estava a do edifício Solaris, no Guarujá, em São Paulo, que tem como beneficiários o ex-tesoureiro do PT João Vaccari e o próprio Lula, dono de um tríplex de 297 metros, com elevador interno, cobertura com piscina e sauna”, explicava a reportagem.
Léo Pinheiro deixou a cadeia em 2015, mas voltou para trás das grades no ano seguinte, no curso da Operação Greenfield. As negociações de seu acordo de delação foram suspensas sob a alegação de que o conteúdo de sua delação, que envolvia o ministro do STF Dias Toffoli, havia “vazado”. Mesmo assim, o engenheiro “a) confessou o crime e revelou que o apartamento 164-A, triplex, sempre pertenceu à família do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva; b) que foi solicitado a ele que o imóvel permanecesse em nome da OAS Empreendimentos; c) que as reformas foram feitas por solicitação do ex-Presidente e sua esposa; d) que os projetos de reforma foram aprovados pelo ex-Presidente e sua esposa; e) que o preço do imóvel e o custo das reformas foram abatidos de conta corrente geral de propinas mantida entre o Grupo OAS e agentes do Partido dos Trabalhadores”, segundo trecho da sentença de Moro que sintetiza as alegações finais de Pinheiro no processo.
Lula e Pinheiro foram ambos condenados por Moro por corrupção (“em decorrência do contrato do Consórcio CONEST/RNEST com a Petrobrás”) e lavagem de dinheiro (“envolvendo a ocultação e dissimulação da titularidade do apartamento 164-A, triplex, e do beneficiário das reformas realizadas”). Lula pegou nove anos e meio de cadeia, e Pinheiro, dez anos e oito meses. Mas sobre o empreiteiro, Moro anotou: “Ainda que tardia e sem o acordo de colaboração, é forçoso reconhecer que o condenado José Adelmário Pinheiro Filho contribuiu, nesta ação penal, para o esclarecimento da verdade, prestando depoimento e fornecendo documentos”. Em razão disso, o juiz decidiu que “é o caso de não impor ao condenado, como condição para progressão de regime, a completa reparação dos danos decorrentes do crime, e admitir a progressão de regime de cumprimento de pena depois do cumprimento de dois anos e seis meses de reclusão no regime fechado, isso independentemente do total de pena somada”.