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UPP, uma boa ideia derrotada pelo crime organizado

VEJA acompanhou a implementação das unidades pacificadoras e apontou furos no projeto em diversas reportagens

Por Da redação
Atualizado em 30 jul 2020, 20h33 - Publicado em 22 fev 2018, 16h44

A intervenção federal no Rio de Janeiro na área de segurança pública, tema da revista VEJA que está nas bancas, é a comprovação de que a ideia das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) foi válida, teve momentos áureos, mas mostrou-se com o tempo incapaz de resolver sozinha a complexa questão da criminalidade no estado.

Em 30 de dezembro 2006, dois antes da apropriação das favelas, a revista (edição 1989) apontava que a situação na cidade do Rio de Janeiro e em todo o Estado estava perdendo o controle. Algo precisava ser feito urgentemente.

Ao narrar uma mega-ação de bandidos que saíram dias antes da publicação para aterrorizar a cidade — “o veículo, com 28 passageiros, foi interceptado por um bando de trinta traficantes na Avenida Brasil. Os criminosos atearam fogo ao ônibus, e sete dos passageiros, a maioria idosos, não conseguiram escapar. Morreram carbonizados” —, VEJA, como sempre faz, pôs o dedo na ferida apontando os culpados.

“A crise na segurança pública não é exclusividade do Rio de Janeiro. Mas é nesse estado que se percebe com clareza quanto a ineficiência do governo pode agravar o problema. Numa situação de penúria produzida por sua própria administração, a governadora Rosinha Garotinho fez cortes orçamentários impensáveis. Nos últimos meses, até os telefones celulares de autoridades policiais foram devolvidos às operadoras, por falta de pagamento. Nas esquinas, carros de patrulha ficam estacionados porque não têm combustível e, em alguns casos, nem estão funcionando. Os bandidos, claro, sabem disso.”

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O início das UPPs

Em 24 de dezembro de 2008, em sua edição 2092, a publicação apontou os benefícios da criação das UPPs. Parecia uma excelente ideia, definitiva.

“O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, iniciou sua gestão na área de segurança optando pelo enfrentamento dos traficantes que há décadas dominam as favelas cariocas. Uma medida necessária, mas que vinha se revelando insuficiente. Terminadas as operações policiais, os bandidos se encastelavam novamente e tudo voltava ao que era antes – uma rotina de venda de drogas, maus-tratos aos moradores e crimes nas redondezas. Na semana passada, foi dado um passo importante na política de segurança do governo do Rio, com a ocupação permanente do Morro Dona Marta, em Botafogo, que terá a vigilância de 120 policiais especialmente designados para a tarefa. A alocação desse destacamento é a segunda etapa da operação iniciada há um mês com a expulsão dos traficantes. O que diferencia essa investida de tentativas anteriores é que agora os soldados, recém-saídos da academia, receberam treinamento especial em policiamento comunitário. Seu trabalho será vigiar as ruelas e garantir que os traficantes não voltem à ativa. É o que abrirá caminho para que aquela parte do território seja reincorporada à vida da cidade.”

PMs desembarcam de veículo blindado na favela Vila Cruzeiro, Rio de Janeiro
PMs desembarcam de veículo blindado na favela Vila Cruzeiro, em ocupação ocorrida em 2010 (Marcelo Sayão/EFE/VEJA)

Dois anos depois, em 1º de dezembro de 2010, na sequência de imagens mais cinematográfica da implantação das UPPs, a tomada da Vila Cruzeiro dava a entender que o Rio e todo o país estavam no caminho certo.

“A cena de carros blindados da Marinha adentrando a favela de Vila Cruzeiro, no bairro suburbano da Penha, um símbolo do poderio do tráfico no Rio de Janeiro, marcou, na quinta-feira passada, um momento histórico do combate ao crime na cidade. Ali, onde a bandidagem havia montado seu principal centro de distribuição de drogas, armas e munição para morros cariocas, o estado mostrou, finalmente, quem detém o monopólio da força.”

Brechas no projeto

“No Rio, as principais trincheiras dos facínoras ficaram intocadas, enquanto o estado empreendia a ocupação de favelas menores e periféricas no mercado de entorpecentes”

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Otimismo à parte, a mesma reportagem da edição 2192 fez uma análise aprofundada da questão nos parágrafos seguintes e apresentou as pontas soltas no projeto das unidades pacificadoras.

“Ninguém de bom-senso discorda de que a iniciativa de libertar territórios controlados por criminosos seja um avanço e tanto. A experiência internacional mostra que eliminar a presença de traficantes armados, que impõem suas regras na base da coerção e da violência, é o primeiro movimento a ser feito no combate ao crime organizado. Nas colombianas Bogotá, Medellín e Cali, essa estratégia funcionou bem. As UPPs seguiram o modelo da Colômbia, mas guardam uma diferença em relação a ele. Nas cidades daquele país, os quartéis-generais dos chefões do tráfico foram tomados logo nas primeiras operações, a partir de 2002, e os criminosos acabaram presos. No Rio, as principais trincheiras dos facínoras ficaram intocadas, enquanto o estado empreendia a ocupação de favelas menores e periféricas no mercado de entorpecentes. Com isso, os chefões seguiram fazendo negócios – agora auxiliados pelos bandidos das favelas tomadas que se refugiaram em seus domínios. Para se ter uma ideia, só no último ano, o número de criminosos alojados no Complexo do Alemão triplicou.

Essa cambada perdeu o território, mas continua a comandar o tráfico em seus antigos domínios. O comércio passou a ser mais velado e, quem sabe, um pouco menos lucrativo. Carregamentos de entorpecentes, que antes desembarcavam nos morros em enormes lotes à luz do dia, passaram a ingressar nas favelas ocupadas por UPPs por um exército de formigas, que transporta a droga aos poucos. Afirmam a VEJA dois agentes do departamento de inteligência da polícia: ‘Sabemos que, em onze das treze favelas pacificadas, o comércio de drogas praticamente não foi afetado’.”

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O pior momento

A ótima estratégia enquanto projeto mostrou-se cheia de furos na vida real. Em sua edição 2538, de 12 de julho de 2017, VEJA visitou escolas de quatro favelas cariocas em um dos registros mais tristes na relação do Rio com os criminosos. O título: Alunos na mira.

“A violência que atinge as escolas nos morros cariocas, intensificada nos últimos meses, tem ligação direta com a derrocada do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Por falta de planejamento, estrutura e dinheiro, as UPPs são hoje praça de guerra de uma polícia desacreditada contra bandidos cada vez mais armados e desafiadores. Parte dos policiais é recém-chegada, sem raízes nas favelas (e sem filhos nas suas escolas). Para eles, meter bala ali está liberado. Colégios estiveram no fogo cruzado nas favelas nos tempos pré-UPP, mas entre 2009 e 2013, auge da política de pacificação, a artilharia diminuiu significativamente. Pena que esse cenário não tenha durado. Uma pesquisa realizada pelo sociólogo Eduardo Ribeiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mostra que, nos cinco anos áureos das UPPs, o número de escolas fechadas pela violência foi 22% menor do que nos seis primeiros meses de 2017. ‘A suspensão das aulas é a demonstração evidente de uma ruptura no cotidiano daquelas pessoas’, diz Ribeiro.”

As histórias trágicas encontradas pelos repórteres chocaram os leitores:

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“Violência e insegurança são problemas que assombram não só a capital, mas o Estado do Rio inteiro. Na quarta-feira passada, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Samara Oliveira, 14 anos, estava no pátio com colegas, em um intervalo entre aulas, quando tomou um tiro nas costas, vindo da fuzilaria entre bandidos. Teve o pulmão perfurado e foi operada às pressas.”

“Do outro lado da cidade, em Acari, a escola em que morreu Maria Eduarda Ferreira, a Duda, de 13 anos, atingida por uma bala perdida na aula de educação física, também é colada a uma boca de fumo; a rua, ao lado de um canal imundo (o ‘valão’), é rota de carga roubada.

Na escola de Duda ainda se vê o buraco aberto na grade pelas balas. A mãe dela, Rosilene Ferreira, 53 anos, aponta para ele e lamenta: ‘Ela só queria estudar’. Três meses depois da tragédia, os muros do colégio estão grafitados com mensagens de paz, mas o deprimente cenário no entorno permanece inalterado. Enquanto VEJA estava no local, uma carreta roubada passou em disparada em direção à Avenida Brasil. Pouco antes, um tiroteio tinha deixado dois mortos na vizinha favela da Pedreira. ‘Tem dia que vejo sete caminhões roubados passarem por aqui’, conta o diretor Luiz Menezes. Toda manhã, entre 6 e 7 horas, ainda em casa, Menezes recebe no celular mensagens sobre a situação na favela. Ao chegar à escola, verifica se há traficantes encostados nos muros. Se houver, pede a eles que atravessem a rua. ‘É triste, mas um sinal de que está tudo calmo é ver a boca de fumo funcionando”, diz. Neste ano, os alunos já perderam doze dias letivos. ‘Quando tem tiro, ensinar vai para o segundo plano. A prioridade é sobreviver’, lamenta.”

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