As urnas mostraram que o eleitorado se cansou da polarização, prefere gente que governa a gente que briga, prefere quem defende a saúde a quem é irresponsável, inclina-se à centro-direita e continua não gostando da esquerda. Mas não indicaram quem está bem posicionado para a campanha eleitoral de 2022.
A esquerda foi derrotada (e o PT, massacrado): uma frente de esquerda terá pouca chance — isso se ela for possível, pois Lula só aceita se o PT estiver na cabeça, Ciro só aceita se for Ciro, e os outros não querem nenhum dos dois (“a esquerda só se une na cadeia”, dizia-se antigamente).
Para eleger Covas, João Doria preferiu ficar escondido — e onde já se viu candidato a presidente fugir de eleitor, ainda por cima no estado que governa? Doria tem rejeição demais, é paulista demais e rico demais para parecer competitivo. Rodrigo Maia é ruim de voto. Mandetta ninguém sabe, ninguém viu. Outros, como Covas, Eduardo Paes e ACM Neto não têm projeção nacional.
Os outsiders parecem desinteressados. Sergio Moro, que enfrentaria dificuldade pela resistência dos partidos a seu nome, parece ter jogado a toalha ao aceitar um polêmico emprego na iniciativa privada. Luciano Huck quer ser presidente, mas não candidato, e segue a carreira de apresentador da Globo e garoto-propaganda (atividades que o prejudicarão em uma eventual campanha).
“Resta ao presidente comer na mão do Centrão, que já o traiu em 2018, e de alguns prefeitos recém-eleitos”
Magalhães Pinto dizia que “política é como nuvem”, muda a cada minuto, mas, por enquanto, o mando de campo permanece com Jair Bolsonaro, cuja “estratégia” (por assim dizer) até agora tem sido mobilizar a militância com brigas incessantes e alimentar o medo do bicho-papão, o PT. No entanto, as urnas sugerem que o eleitor está cansado de briga e que o bicho-papão é um cachorro morto, chutá-lo não dará muito voto. Bolsonaro precisa de um plano B. Até porque, a olho nu, a impressão é que o plano A é eleger qualquer um que não seja Jair Bolsonaro.
O presidente precisa de uma economia saudável e de recursos para o auxílio emergencial, mas se comporta como se isso fosse cair do céu. A situação fiscal é desesperadora, mas ele não se interessa pelas reformas. Crescimento econômico exige controlar a pandemia, mas o presidente faz campanha contra a vacina. Insiste na destruição ambiental, que impede o acordo comercial com a Europa e nos indispõe com Joe Biden — cuja eleição Bolsonaro declara fraudulenta. E hostiliza a China, arriscando as exportações de carne e soja e os votos do Centro-Oeste, que delas depende.
Bolsonaro rompeu com o PSL, não criou a APB e chegou a 2020 sem partido nem estratégia: o resultado é que quem venceu não lhe deve nem a vitória de hoje nem apoio em 2022. Resta a Bolsonaro comer na mão do Centrão, que o traiu em 2018 (para aderir a Alckmin) e traiu Dilma em 2016, e de alguns prefeitos recém-eleitos, como os da Baixada Fluminense, no Rio, que acabam de trair o PT. Muy amigos.
Se o presidente não mudar de rumo, vai criar uma tempestade tão perfeita que a discussão sobre quem tem melhores chances de derrotá-lo perderá o sentido. Até o Cabo Daciolo vai conseguir.
Publicado em VEJA de 9 de dezembro de 2020, edição nº 2716