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Ricardo Rangel

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Delfim Netto não deixa saudades

Por que o economista, apesar de tudo o que fez na política e na economia, continua a ser reverenciado?

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 12 ago 2024, 21h37 - Publicado em 12 ago 2024, 12h52

Morreu Antonio Delfim Netto, o economista mais poderoso do Brasil do período da ditadura e possivelmente de qualquer tempo.

Ministro da Fazenda em 1967, já no ano seguinte foi um dos signatários do Ato Institucional número 5, que jogou o país no período mais tenebroso de sua história. Seu interesse pessoal não estava tanto na política, o que queria mesmo era obter o poder absoluto na economia. E obteve, porque entre as muitas atrocidades perpetradas pelo AI-5 estava a proibição de que o Congresso legislasse sobre matéria financeira.

Nos anos 70, a política econômica criada por Delfim fez com que o Brasil crescesse a taxas de dois dígitos ao ano. Os brasileiros, infelizmente, não usufruíram desse crescimento, que ocorreu com forte concentração de renda. A frase de Delfim a respeito do problema — “é preciso primeiro crescer o bolo, para depois distribuí-lo” — tornou-se emblemática de sua política econômica.

Turbinado por forte endividamento e descontrole de gastos, o bolo cresceu durante algum tempo e depois parou. A inflação foi para a lua, seguida pelos juros (que deveriam controlá-la, mas não o fizeram), garantindo a manutenção da concentração de renda. “Arrocho salarial” era expressão corriqueira na época: o bolo jamais seria distribuído.

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Delfim tinha o divertido hábito de assinar cartas de intenção para o Fundo Monetário Internacional comprometendo-se com metas inflacionárias que não tinha intenção de cumprir. No início de 1985, ano que marca o fim da ditadura e do comando de Delfim sobre a economia, o ministro se comprometeu com uma meta de 120% de inflação: no fim do ano, ela bateu 239%, recorde histórico até então. Menos de dois anos depois de sua saída do ministério, o governo Sarney declarou moratória unilateral nos pagamentos da dívida externa, e a fama de caloteiros nos persegue até hoje.

Os anos 80, que se caracterizaram por hiperinflação, volatilidade econômica, incerteza e muita bateção de cabeça, ficaram conhecidos como “a década perdida”. A inflação, que chegaria a 3.000% ao ano, só ficaria sob controle com o Plano Real, em 1994.

A dúvida que resta é por que — tendo sido participante entusiasmado de uma ditadura brutal, tendo sido um dos reponsáveis pelo AI-5, tendo conduzido uma política econômica desastrosa — Delfim continuou e continua a ser reverenciado por todas as vertentes políticas, da direita à esquerda, e pela imprensa, especializada ou não.

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Lula e Dilma, por exemplo — que passaram boa parte da vida lutando contra a ditadura e criticando sua política econômica — sempre mantiveram proximidade com Delfim e o tiveram como conselheiro. (A Nova Matriz Econômica, com a qual os dois destruíram a economia brasileira na década passada, tem pontos em comum com a abordagem delfiniana, por sinal.)

Seja como for, a generosidade (ou a aparentes contradição) dos que ficam não absolvem aquele que se vai: Delfim parte sem deixar saudades.

(Por Ricardo Rangel em 12/08/2024)

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