O dólar sobe forte desde o início do ano. A economia, aqui e no exterior, não explica a trajetória do real, bem pior do que a de outras moedas.
Fernando Haddad, sutil, deu a dica: “O melhor é acertar a comunicação, tanto em relação à autonomia do Banco Central quanto ao arcabouço fiscal”. “Quem não se comunica se estrumbica”, dizia, menos sutil, Abelardo Chacrinha. Errando na comunicação, Lula estrumbica a si mesmo e a seu governo.
Quando o assunto é dólar, presidente da República só pode dizer o seguinte: “O câmbio é flutuante: ele flutua”. Se o assunto é taxa de juros, pode dizer o seguinte: “O Banco Central é autônomo”. Qualquer coisa diferente gera especulação.
Lula está no terceiro mandato e ainda não aprendeu o bê-á-bá. Critica os juros, ataca o presidente do Banco Central (que não tem mesmo compostura, diga-se), se queixa de que “eu tenho que esperar ele terminar o mandato e indicar alguém”. Sobre o dólar, diz que “não é normal o que está acontecendo (…), que é uma especulação (…), temos que fazer alguma coisa”. Convoca reunião sobre o assunto.
Lula alimenta a especulação que critica. Sem ver o óbvio círculo vicioso, chama de “cretinos” os que associam os soluços do mercado ao que diz.
“Fernando Haddad, sutil, deu a dica: o melhor é acertar a comunicação sobre autonomia do BC e arcabouço fiscal”
Diante da disparada do dólar na terça 2, Lula recuou. Mas continua com a mesma visão, sem ver o que interessa.
O governo brasileiro gasta demais e gasta mal. Os serviços prioritários, como educação, saúde e segurança são abaixo da crítica e, mesmo assim, a carga tributária, das mais altas do planeta, não paga a conta: o país está sempre pegando dinheiro novo emprestado.
Os grandes sumidouros de dinheiro são conhecidos. A Previdência passou por uma reforma, não deveria ser mais problema, mas é. Intensamente combatida pelo PT, a reforma foi diluída e se tornou insuficiente.
O funcionalismo público é caríssimo: há gente demais, que ganha mais do que a iniciativa privada paga, desfruta de uma estabilidade em geral indevida e de uma Previdência ainda mais deficitária do que o regime geral. A reforma administrativa é urgente.
Há as subvenções tributárias. “De repente, você descobre que tem 546 bilhões de reais em benefício fiscal para os ricos”, disse um Lula “perplexo”. Perplexos ficamos nós, os cretinos: Lula está no terceiro mandato, no cargo há um ano e meio, mas não sabia dos subsídios (boa parte dos quais criada por governos do PT)? E ainda defende subsídio novo para a indústria automotiva?
E há o custo dos juros da dívida, dos quais Lula tanto reclama. Mas a taxa de juros não é uma decisão arbitrária do Banco Central. Ela é resultado da expectativa de inflação — que decorre em parte da responsabilidade fiscal do governo. Lula gasta mais do que arrecada (a dívida aumenta), demonstra que isso não vai mudar (o juro não cai), o custo da dívida só cresce.
“Não tenho que prestar contas a nenhum ricaço desse país. Tenho que prestar contas ao povo pobre.” Lula não é “o povo na Presidência”, como supõe, mas tem razão. Seu compromisso é acima de tudo com os pobres.
E todos os sumidouros de dinheiro representam transferência de renda de pobres para não pobres.
Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900