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Quem defenderá as Forças Armadas?

Jair Bolsonaro está arregimentando uma milícia pessoal

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h26 - Publicado em 9 jul 2021, 06h00

Responsáveis pela defesa da pátria, última instância da segurança interna, as Forças Armadas são um pilar do estado de direito. Elas estão sob ataque. O desmonte que Jair Bolsonaro faz do Estado e da democracia é generalizado, mas as Forças Armadas são seu alvo prioritário: sem elas, não é possível desfechar o golpe que prepara. O desmonte é operado com mestria, por dentro das FFAA, com o auxílio de muitos militares, cooptados de várias maneiras. Para os mais disciplinados, há a manipulação da obediência ao presidente, chefe das Forças; para os patriotas, uma impostura de amor à pátria; para os iludidos, o espantalho da (fictícia) ameaça comunista; para os vaidosos, a bajulação; para os fisiológicos, cargos e verbas; para os corruptos, a oportunidade de se corromper.

Bolsonaro mandou que o general Paulo Sérgio deixasse impune o general Eduardo Pazuello, que subiu num palanque; temeroso da quebra da hierarquia, o comandante do Exército obedeceu e abriu a porta para a anarquia militar. O presidente do Superior Tribunal Militar, general de quatro estrelas Luis Carlos Mattos, fez pior: deu entrevista revelando-se bolsonarista entusiasmado e ameaçando ruptura democrática. Paulo Sérgio deixou o colega de alto-comando impune sem que Bolsonaro precisasse sequer dar a ordem.

Pouco tempo atrás, um coronel do Ministério da Saúde contratou uma obra milionária, sem licitação, com empresa suspeita. Mais recentemente, quatro coronéis do ministério, antes subordinados ao então secretário-executivo, coronel Elcio Franco (a esta altura, suspeito), foram acusados de corrupção. E todos, incluindo Franco, foram nomeados por Pazuello (também suspeito). Um dos encontros para atravessar vacinas foi intermediado por um coronel da “Abin paralela” do presidente; outro, por um coronel presidente de uma ONG bolsonarista.

“O desmonte é operado com mestria, por dentro, com o auxílio de muitos militares, cooptados de várias maneiras”

Diante dos escândalos, o general Hamilton Mourão declarou que “o Ministério da Saúde sempre foi um lugar onde a corrupção andou” e que “você não consegue da noite para o dia desmanchar uma estrutura” (sete dos oito suspeitos na “estrutura” foram nomeados no atual governo). O vice-presidente também achou banal o presidente ser acusado (e culpado) de crime de prevaricação: “Todos os presidentes sofreram alguma acusação”. Já a prisão de Roberto Dias levou as Forças Armadas a emitir uma nota intimidatória para proteger militares mentirosos. Com atitudes assim, nunca um militar corrupto será preso. Não é de admirar que a aprovação das FFAA tenha caído 12 pontos em dois anos.

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Bolsonaro, classificado pelo ex-presidente Ernesto Geisel como “mau militar” e forçado a sair do Exército por planejar explodir bombas em quartéis, é inimigo das Forças Armadas e investe contra elas. É espantoso que tenha o apoio ostensivo de tantos militares. Ainda mais espantoso é quão raros são os militares que se mostram dispostos a resistir.

É compreensível que homens de farda íntegros se sintam constrangidos em tomar atitudes que possam ser percebidas como indisciplina. Mas se esses militares íntegros não resistirem e não defenderem as FFAA, Bolsonaro as transformará em sua milícia pessoal. Os civis, sozinhos, não têm condições de defender as Forças Armadas.

Publicado em VEJA de 14 de julho de 2021, edição nº 2746

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