A pichação sobre uma pintura no muro do Goethe-Institut, em Porto Alegre, feita na semana passada, tem aprovação do Centro Dom Bosco, grupo de católicos do Rio de Janeiro que lançou uma campanha contra a obra.
“Como católicos praticantes, não podemos negar a enorme satisfação que tivemos ao saber da pichação. Mas, objetivamente, não sabemos quem foi o autor dessa ação específica de defesa da fé católica contra abusos inconstitucionais como este. Mas não podemos negar: nós nos alegramos ao ver a pichação, sim. Poderíamos chamá-la de ‘recriação artística’”, disse a VEJA Bruno Mendes, diretor da entidade.
A pichação, que cobriu o desenho e incluiu os dizeres “ele ressuscitou”, ocorreu após um abaixo-assinado virtual promovido pelo grupo. Após a imagem circular nas redes sociais, uma nova pichação, em crítica à primeira, acrescentou a frase “ai, meu deuso”.
O painel mostrava uma cabeça em uma bandeja com traços que remetem à representação de Jesus Cristo. O grafite é de autoria de Rafael Augustaitiz, de São Paulo, e faz parte da exposição “Pixo/Grafite: realidades paralelas”.
Augustaitiz é conhecido por suas polêmicas. Em 2008, ele pichou uma instalação da 28ª Bienal de São Paulo, em São Paulo. No mesmo ano, foi expulso da Faculdade de Belas Letras após pichar o prédio da instituição. Porém, na Bienal seguinte, de 2010, Augustaitiz foi convidado a expor seu trabalho, sendo reconhecido como artista.
Mesmo com a sede no Rio de Janeiro e criado em 2017, não é a primeira vez, porém, que o Centro Dom Bosco lidera protestos virtuais contra uma exposição de arte em Porto Alegre. O grupo também criticou a Queermuseu, que acabou fechada pelo Santander, em setembro do ano passado. O Ministério Público concluiu que, diferentemente do que os grupos acusavam, a exposição não fazia apologia à pedofilia e a outros crimes.
“Nós temos relações com vários católicos de Porto Alegre, assim como de outras capitais. O nosso intuito é defender a fé católica — em cuja tradição o Brasil se insere — e atuar em outras frentes, simultaneamente, sobretudo com o objetivo de difundir a alta cultura literária e filosófica”, explicou Mendes.
Autor da obra pichada, Augustaitiz já fez outras exposições e pichações em prédios em que retrata o “mal” para “criar uma cidade fantasma, invertida, refletida no espelho do demônio” nas palavras de Laymert Garcia dos Santos, curador da exposição no Goethe. Por esse motivo, o texto do abaixo-assinado do Dom Bosco chama o autor de “satanista”. Augustaitiz, de fato, usa símbolos como um pentagrama invertido e a sequência “666” nos seus trabalhos mais recentes. O prédio que desabou após um incêndio no centro de São Paulo foi um dos pichados com os símbolos, e a fotografia da fachada integra exposições de Augustaitiz.
“O problema foi a imagem de um Cristo decapitado encomendada a um notório satanista. Isto é um acinte inaceitável e lembramos que a nossa tradição jurídica não preconiza a liberdade de expressão absoluta. Há limites. Um deles é quando a liberdade de expressão colide com a liberdade de consciência e a liberdade religiosa”, disse o diretor do Dom Bosco.
A VEJA, Augustaitiz disse que “as instituições têm oprimido a imaginação e desonrado o intelecto, degradando as artes a fim de estupidificá-la e promover a escravidão espiritual, a propaganda para o estado e o capital, reações puritanas, lucros injustos, mentiras e arruinamentos estéticos”.
A reportagem questionou o representante do Dom Bosco se a entidade dedica atenção especial a fiscalizar manifestações artísticas. “Não somos fiscais de manifestações artísticas. Infelizmente, algumas dessas ditas manifestações só podem ser chamadas de ‘artísticas’ por meio de analogias, de metáforas forçosas”, respondeu Mendes.
O Goethe-Institut divulgou uma nota dizendo que “está analisando as manifestações recebidas em decorrência da pintura do muro de sua sede”. Dias antes, o instituto emitiu uma nota afirmando que estava recebendo “mensagens de ódio”. “Em nenhum momento foi intenção do projeto ou do Instituto ofender sentimentos religiosos. Respeitamos todas as crenças, manifestações e liberdade de expressão. O Goethe-Institut, como instituição cultural presente em mais de 90 países, dialoga intensamente com as sociedades locais e fomenta a discussão, participação e atuação artística e cultural. Lamentamos manifestações que incitem o ódio e as ameaças à liberdade de expressão”, afirmou a entidade.
Por sua vez, a Arquidiocese de Porto Alegre repudiou a obra alegando que “a polêmica e as reações que estão ocorrendo diante da infeliz imagem são resultado da falta de respeito pelo senso religioso, pelos valores cristãos e pela história desta cidade. Se pretendemos evitar polarizações e superar a violência, precisamos garantir um diálogo respeitoso e reverente pelo outro”.