Cidades se mobilizam por obrigatoriedade do ensino de espanhol
RS tem 197 municípios na faixa de fronteira com Argentina e Uruguai; reforma do Ensino Médio retirou obrigatoriedade da língua no currículo
Estado mais ao sul do Brasil, o Rio Grande do Sul faz fronteira com a Argentina e o Uruguai. Ao todo, 40% das cidades gaúchas estão situadas na área fronteiriça, região até 150km da divisa com esses dois países. Dos 197 municípios da faixa, 19 estão na divisa e dez são cidades “gêmeas”. Uma delas, na verdade, é “trigêmea”: Barra do Quaraí é vizinha tanto da Argentina como do Uruguai. Os dados são do o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Por isso, a retirada da obrigatoriedade do ensino do espanhol no currículo das escolas do ensino médio está mobilizando dezenas de cidades, especialmente as fronteiriças, onde as comunidades convivem diariamente com a língua espanhola. A oferta do espanhol deixou de ser obrigatória para se tornar facultativa por causa da reforma do Ensino Médio sancionada pelo presidente Michel Temer (MDB) e deve valar a partir de 2020.
A reportagem questionou o Ministério da Educação (MEC) por que apenas o inglês será obrigatório. O órgão respondeu que a lei “trouxe a obrigatoriedade do inglês como língua estrangeira por ser necessário para inserção no mundo de trabalho, além de ser a mais disseminada e a mais ensinada no mundo inteiro” (leia nota completa abaixo). O Brasil faz fronteira com sete países que têm o espanhol como língua oficial.
No Uruguai, por exemplo, escolas públicas oferecem a disciplina de língua portuguesa, para facilitar a comunicação com os brasileiros.
Pelo menos 39 cidades enviaram, por meio de moções aprovadas nas respectivas câmaras de vereadores, apoio à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tramita na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre. Se a lei for aprovada, o espanhol será obrigatório nas escolas públicas gaúchas. O projeto é de autoria da deputada estadual Juliana Brizola (PDT), neta de Leonel Brizola, conhecido pela defesa da educação pública e abertura de novas escolas quando foi governador do Rio Grande do Sul (1959-1963) e do Rio de Janeiro (1983-1987 e 1991-1994).
“Não é compreensível que um país queira retirar a oferta de uma língua estrangeira, sobretudo o espanhol, falado em todo o mundo e na fronteira do Rio Grande do Sul, que tem interlocução com os países vizinhos. É uma incoerência muito grande o governo federal querer retirar a língua espanhola”, disse Juliana a VEJA.
O projeto já recebeu parecer favorável do relator na Comissão de Constituição e Justiça. Quando for aprovado pela Comissão, vai à votação no plenário. O texto foi protocolado com assinatura de 38 parlamentares – são necessários 33 votos favoráveis para a aprovação. A PEC deve entrar na pauta após o retorno do recesso parlamentar, em 31 de julho.
Uma das cidades gaúchas mobilizadas é Santa Vitória do Palmar, no extremo sul. “É igualmente importante considerar a história do povo gaúcho que sempre esteve ligada à língua e à cultura espanhola. Grande parte do nosso território foi ocupado inicialmente por espanhóis, constituindo-se em área de disputa entre Espanha e Portugal”, diz a moção dos vereadores da cidade. Santa Vitória do Palmar é vizinha de Chuy, no Uruguai.
Em Jaguarão, que faz fronteira com a cidade Uruguai de Rio Branco, a comunidade acadêmica se reuniu na Universidade Federal do Pampa (Unipampa) para defender a obrigatoriedade da língua. O movimento adotou a “hashtag” #FicaEspanhol, usada em uma página no Facebook que tem mais de 11.000 curtidas que apoiam a causa. O perfil é uma iniciativa dos alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que atuam nas escolas públicas por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID).
“Comentamos que não teríamos mais espanhol nas escolas e os alunos ficaram tristes porque os colegas do colégio não iam falar como elas. Desenharam no quadro e pediram #FIcaEspanhol”, divulgou a página com a imagem de crianças matriculadas no curso de extensão da universidade.
“NOTA DO MEC:
A Lei do Novo Ensino Médio foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República. Ela trouxe a obrigatoriedade do inglês como língua estrangeira, por ser necessário para inserção no mundo de trabalho, além de ser a mais disseminada e a mais ensinada no mundo inteiro.
No entanto, Lei permite que as redes de ensino ofertem outras línguas estrangeiras modernas, preferencialmente o espanhol, como está na LDB. Dessa forma, qualquer escola brasileira pode, sem prejuízo algum, oferecer o espanhol.
Destacamos que o modelo antigo do Ensino Médio tornava obrigatória apenas a oferta do espanhol pela escola, no entanto, não havia obrigatoriedade para que o aluno assistisse as aulas, podendo optar por outra língua, o que acarretava em aumento de custo para a escola, que deveria oferecer o espanhol, mas, na maior parte do país, a preferência dos alunos era pelo inglês, mesmo sem ser obrigatório.”