Homens são a maioria em empresas de internet. No Facebook, 67% dos funcionários são homens, no Google são 69%, e na Apple, 68%. Nesse ambiente predominantemente masculino, mulheres enfrentam barreiras que incluem questionamentos sobre suas habilidades técnicas, comentários machistas e até exclusão em processos seletivos de contratação.
Para mudar esse cenário, a mulher transexual Evelyn Mendes, de 42 anos, ensina garotas a construírem seus próprios sites. “É para elas seguirem em frente e poderem bater no peito e dizer ‘eu fiz isso aqui, eu sei programar”, contou Evelyn a VEJA.
Natural de Porto Alegre, a analista e desenvolvedora de sistemas atua há 15 anos nessa área. Termos que assustam os leigos, como Java Script, PHP, SQL, Asp.Net e Ruby, fazem parte do cotidiano da “trans, nerd e geek”, como a própria se define em sua página na internet.
A ideia de Evelyn é “empoderar” o público feminino que ainda não trabalha com Tecnologia da Informação (TI) para que adquiram o conhecimento básico. “Elas descobrem que é tão fácil programar que farão um site para elas”, explica. As aulas ocorrem em eventos como Django Girls e Rail Girls, realizados em diversas cidades.
No sábado, dia 26, pela manhã, a desenvolvedora fará a palestra “Angular 4 + Firebase: Realtime não precisa ser complicado”, na sétima edição do BrazilJS, na capital gaúcha. O evento é considerado a maior conferência sobre linguagem JavaScript do mundo com a presença de nomes ligados ao Google, Mozilla, Microsoft e Netflix. Sobre o tema da palestra, Evelyn esclarece aos novatos: “Sabe quando você está no Facebook e recebe uma notificação? Aquilo é real time, que verifica por ‘baixo dos panos’ o que pode te interessar e te notifica”.
Preconceito contra trans
Desde a juventude, Evelyn trabalhou nos setores de TI de diversas empresas. Porém, desde que iniciou sua transição de homem para uma mulher transexual, há quatro anos, tem enfrentado preconceito. “Quando entrava na sala, para o trabalho, tinha um monte de caras fazendo piada homofóbica e machista. Quando eu chegava, eles tinham que parar. Não podiam ser as pessoas que sempre foram”, relembra, sobre o período de transição.
Se antes, seu currículo lhe garantia boas vagas de emprego, agora diz ser barrada nos processos seletivos, especialmente após a entrevista. Em uma disputa na qual concorreu, ao preencher a ficha, ela detalhou todas suas habilidades e acrescentou: “Sou uma mulher transexual. Se a empresa ou qualquer pessoa da empresa tiver problema com questões de diversidade e LGBT, peço que descartem minha candidatura. Se não, continuarei o processo feliz”. O resultado? “Nunca me chamaram”, conta.
Silenciamento das mulheres
Se o preconceito é forte contra mulheres transexuais, o mesmo ocorre com as chamadas mulheres “cis” – nascidas mulheres e que se identificam com isso. “Tu não tem noção do que elas passam. São silenciadas, os homens pegam ideias delas para eles”, relata a programadora.
Evelyn conta que uma amiga qualificada tecnicamente foi a melhor em uma prova de seleção e foi chamada para a entrevista. O responsável pelo recrutamento disse: “Chamei você para te conhecer porque o seu desempenho foi o melhor, mas não vou te empregar porque os homens não vão conseguir trabalhar com uma mulher.”
O exemplo faz com que Evelyn identifique o machismo como o preconceito “raiz” das corporações de tecnologia. “Se não conseguem nem lidar com o primordial, que é um homem tratar igualmente uma mulher, não tem como aceitar um gay, lésbica, trans ou negro”, opina a analista de sistemas.