Sem acesso a banheiros para higiene e vivendo em locais insalubres, a população em situação de rua de Porto Alegre é a que mais concentra casos de tuberculose na cidade. Segundo um relatório da Vigilância Epidemiológica da capital gaúcha, em 2016 foram identificados 2.115 moradores de rua e 111 casos novos de tuberculose nessa população. O número representa uma incidência de 5.248 casos para cada 100 mil habitantes, caracterizando uma epidemia nesse grupo.
A incidência entre os moradores de rua é 65 vezes maior do que na população geral de Porto Alegre. Segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde divulgado neste ano, a capital gaúcha tem 80,4 casos de tuberculose a cada 100 mil habitantes, ocupando o quarto lugar entre as capitais com mais incidência da doença, atrás de Manaus, Recife e Rio de Janeiro. De acordo com órgão, quem vive na rua tem 44% mais chances de ser contaminado pelo bacilo de Koch, que transmite a doença. Entre 2011 e 2016, o número da população em situação de rua em Porto Alegre aumentou 57%, de acordo com pesquisa da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Se para os moradores de rua de Porto Alegre a tuberculose é uma epidemia, com mais risco de contágio, para a população geral da capital a doença significa uma endemia porque não está erradicada. “Porto Alegre é um território endêmico. Ninguém está imune, aqui não é uma doença rara”, explica a pneumologista Denise Rossato Silva, coordenadora do Serviço de Pneumologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Segundo a médica, os principais sintomas da doença são tosse constante, febre, catarro e perda de peso. O contágio é através do ar, especialmente em locais pouco ventilados. O tratamento dura seis meses com quatro medicamentos diários e é custeado totalmente pelo Serviço Único de Saúde (SUS). “Mesmo quem tem plano particular tem que passar no postinho”, explica a pneumologista.
Se a população de rua está em risco, funcionários de assistência social e saúde que atendem diretamente este público também estão expostos. A auxiliar de enfermagem Luci Teresinha Machado, de 48 anos, não tinha o bacilo quando começou a trabalhar na Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). Há alguns anos, o teste que indica a presença do bacilo da tuberculose deu positivo. “Me deparei com a realidade do abrigo com moradores de rua. Não tinha ideia de como era. Não deram nenhuma preparação, nenhuma capacitação para lidar com tuberculose, com HIV. Não tem os equipamentos de proteção adequados. Imagina chegar em casa e contar para a família que você tem tuberculose”, contou Luci a VEJA.
O mesmo ocorreu com a também auxiliar de enfermagem Ivana de Carvalho, de 51 anos, que fazia contato com os moradores de rua para transportá-los aos abrigos da Fasc na “Kombi”. “Nosso trabalho depende de criar vínculo com as pessoas da rua. Mas tu não sabe se a pessoa tem tuberculose ou não. No abrigo, não há um teste antes de entrar”, contou Ivana à reportagem.
“Os funcionários entram com 100% de saúde. Com o passar do tempo, sem equipamentos adequados, trabalhando na ponta com o atendimento de moradores de rua, acabam contaminados”, argumenta o advogado Cassio Felix Jobim, que já ganhou na Justiça uma ação contra a prefeitura em caso semelhante ao de Luci e Ivana.
Procurada por VEJA, a Fasc informou que orienta os funcionários para uso de máscara e fornece aos abrigados contaminados máscara cirúrgica “que deve ser trocada sempre que úmida”. “A Fundação dispõe também de luvas de procedimento, caso necessário o contato com fluidos e secreções corporais”, disse a Fasc. Além disso, o órgão explicou que os albergues e abrigos “não têm em em sua estrutura adequação física para receber usuários em sua fase bacilífera, que compreende o período pré-tratamento e os primeiros 15 dias de início do tratamento”. Nesses casos, devem ser encaminhados aos serviços de saúde.
Também procurada pela reportagem, a Secretaria da Saúde de Porto Alegre informou que orienta os funcionários sobre o uso de máscara, luvas e ventilação adequada dos ambientes. Segundo a pasta, em serviços ambulatoriais “não há necessidade de ambientes especiais para atendimento dos pacientes de tuberculose diagnosticados nessas unidades”. “Com a descentralização das ações de controle da tuberculose, o número de atendimentos/ano, na maior parte dessas unidades, não chegará ao limite previsto que justifique ambientes especiais. Os funcionários realizam os exames de admissão e em locais de alto número de atendimentos de pacientes com tuberculose pulmonar com confirmação laboratorial recomenda-se realizar avaliação inicial”, respondeu o órgão.